Pela primeira vez em anos, cientistas federais se preparam para testar as primeiras vacinas contra a Influenza Aviária, enquanto funcionários do governo Biden dizem que já começaram a avaliar uma mudança sem precedentes na estratégia dos EUA para combater o crescente surto.
A medida ocorre em meio à crescente preocupação com a ameaça representada pela disseminação contínua, nos últimos anos da Influenza Aviária de Alta Patogenicidade, problema que vem devastando planteis de aves comerciais e de aves selvagens em todo o continente.
Até agora, de acordo com dados computados pelo Serviço de Inspeção de Saúde Animal e Vegetal do USDA, um recorde de 58 milhões de aves – principalmente aves criadas comercialmente – morreram no surto. Mortas pelo próprio vírus ou abatidas em esforços para conter a transmissão. Todos os estados detectaram o vírus entre aves selvagens e 47 o detectaram em aves domésticas.
“A decisão de adotar a vacinação é complexa e muitos fatores devem ser considerados antes de implementar uma estratégia de vacinação”, disse o porta-voz do USDA, Mike Stepien, em comunicado, acrescentando que o serviço de inspeção está discutindo as opções e “solicitando das várias partes interessadas informações sobre quanto o setor seria impactado”.
Embora o governo Biden até agora não tenha dado sinal verde para o uso de vacinas para gripe aviária altamente patogênica, várias vacinas foram licenciadas para uso potencial em surtos anteriores. As aves já são vacinadas regularmente contra outras doenças, como a bronquite infecciosa
.Embora as vacinas animais possam levar anos para serem licenciadas, Stepien disse que algumas partes do processo podem ser aceleradas para emergências.
Ainda não está claro se as vacinas disponíveis funcionarão contra o clado 2.3.4.4b, a cepa por trás do atual surto nos EUA.
“Há inúmeras variáveis nesse tipo de teste. E algumas delas são pura logística. De dispor de todo o material para realizar os testes, de obter vacinas atualizadas, de reunir informações de diferentes fabricantes [de vacinas], observa Erin Spackman, virologista do USDA dedicado ao estudo das vacinas contra a Influenza Aviária.
Embora nem sempre seja um requisito que as vacinas sejam licenciadas pelo Departamento, os testes oferecerão uma avaliação independente precoce de quão bem uma vacina funciona neste caso. Estudos de anticorpos sugerem que as vacinas anteriores podem não ser tão bem eficientes contra a cepa que está causando o surto atual, levando à necessidade de testes.
Spackman disse que a avaliação das vacinas pode levar três meses, desde o momento em que as aves recebem a injeção – geralmente na nuca ou na coxa – até o estudo de sua resposta ao vírus após o desenvolvimento da imunidade.
Os fabricantes de vacinas dizem que também estão acompanhando de perto as deliberações dos EUA e de outros países sobre a possibilidade de vacinação de aves, bem como avaliando suas próprias vacinas.
Um porta-voz da Merck Animal Health disse que a empresa tem um “extenso programa de pesquisa em andamento” desenvolvendo vacinas que podem funcionar com as chamadas estratégias de diferenciação entre infectados e vacinados (DIVA, na sigla em inglês) – uma abordagem que envolve a busca sistemática do vírus entre lotes vacinados, na expectativa de prevenir a propagação não detectada entre as aves imunizadas.
Quando vacinar aves?
Até agora, as autoridades têm sido cautelosas em implantar vacinas contra o surto, citando preocupações de que o uso das vacinas possa dificultar a exportação de produtos avícolas americanos.
“Qual é o ponto de partida para a adoção da vacinação? É isso que se está procurando definir. É o tamanho do plantel numa área infectada? Ou são as perdas econômicas dela decorrentes? Ou por você estar preocupado com a presença do vírus em aves domésticas no estado vizinho? São, realmente, perguntas difíceis de responder – extremamente difíceis”, afirma o médico veterinário David Swayne..
Antes de se aposentar e se tornar um consultor, Swayne serviu por quase três décadas no setor de doenças infecciosas do USDA e foi o diretor do principal centro de pesquisa do departamento para patógenos perigosos.
Swaine observou que, depois de lutar por anos com o surto, vários países de alta renda na Europa avançam na exploração de estratégias DIVA que funcionariam com as exportações de aves. Outros, incluindo a Indonésia e a China, já lançaram vacinas contra a gripe aviária.
“Em uma das abordagens, aves mortas em um lote vacinado podem – independentemente das causas – ser profundamente avaliadas quanto à presença do vírus, ou as aves vivas podem ser sistematicamente amostradas quanto à presença de anticorpos por meio de um processo mais complexo”, disse Swayne, acrescentando que a vigilância também é possível por meio de suabes realizados no meio ambiente como, por exemplo, nos sistemas de fornecimento de água.
“Queremos garantir que nossos parceiros entendam que, se usarmos a vacinação, vamos usá-la da maneira correta. Para que possam se sentir tranquilos e seguros de que os produtos que compram não contêm, digamos, um vírus de alta patogenicidade da gripe aviária”, disse Swayne.
As autoridades também precisarão estabelecer uma maneira de coordenar o rastreamento viral visando às das vacinas, da mesma forma que a Organização Mundial da Saúde emite recomendações para fabricantes de vacinas contra a gripe humana para adotar as cepas mais recentes.
No entanto, Swayne alerta que os produtores de aves ainda precisarão continuar adotando medidas para proteger seus rebanhos do contato com aves selvagens e de outras formas de propagação do vírus.
Como seus colegas no exterior, as autoridades americanas da vida selvagem confirmaram que o vírus dizima grupos de ampla variedade de espécies aviárias. Autoridades acreditam que o vírus vem sendo amplamente transmitido a criações de aves comerciais por aves selvagens que migram pelas Américas.
“A biossegurança é realmente a primeira linha de defesa, e qualquer vacinação que possa ser feita é apenas outra camada de proteção, uma espécie de apólice de seguro”, disse ele.
É uma ameaça para os humanos?
As autoridades dizem que o risco que o vírus representa para os humanos parece ser baixo por enquanto, apesar de uma taxa de mortalidade de 56% entre as poucas pessoas que testaram positivo após contato direto com aves infectadas.
Dos mais de 6.000 trabalhadores avícolas que as autoridades de saúde americanas rastrearam após a exposição a aves infectadas, apenas um testou positivo para o vírus.
Independentemente disso, as autoridades instam os americanos a evitar o manuseio de aves mortas ou doentes para reduzir o risco. O vírus se espalhou de aves para outras espécies muitas vezes no contato com as carcaças de aves infectadas.
“Um tanto preocupante é que houve transmissão para uma variedade de mamíferos terrestres, a maioria deles mamíferos predadores”, disse Tim Uyeki, do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, em um webinar organizado pela Emory University no mês passado.
A Administração para Preparação e Resposta Estratégica (ASPR, na sigla em inglês), um órgão federal já mantém com os fabricantes de vacinas um programa para desenvolver e testar em humanos pequenas quantidades de imunizantes, que podem ser produzidos em larga escala, se necessário.
“Está entre nossas prioridades. Já entramos em contato com nossas equipes para saber em que situação estamos em termos de vigilância e detecção, bem como com nossos colegas do USDA sobre a detecção na população aviária”, comentou a diretora do CDC, Dra. Rochelle Walensky. Em um painel de conselheiros da agência na semana passada.