Novos dados do Termômetro do Código Florestal, lançados durante a COP30 em Belém, mostram que áreas desmatadas ilegalmente ainda aguardam recuperação.
Após somar mais de 8 milhões de inscrições no Cadastro Ambiental Rural (CAR), a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei 12.651), agora enfrenta desafios para avançar com instrumentos importantes como a regularização ambiental das propriedades. Apesar dos avanços tecnológicos e de governança na aplicação da norma, a regularização ambiental prevista pelo texto ainda não decolou. É o que mostra a atualização dos dados do Termômetro do Código Florestal, ferramenta que monitora grandes números relacionados à implementação da lei. A atualização foi lançada durante a COP30 em Belém.
As áreas desmatadas ilegalmente de Reserva Legal (RL) e de áreas de preservação permanente (APP) nas propriedades rurais – que deveriam ser restauradas para a adequação ambiental dos imóveis – não apresentam redução. Ou seja, as áreas seguem sem recuperação.
De acordo com os novos dados do Termômetro, os imóveis inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR) somam 436,9 milhões de hectares. Eram 428,9 milhões na atualização anterior. Houve um incremento de 8 milhões de hectares na área cadastrada. Ainda está fora do CAR uma área de 24,6 milhões de hectares, que representa cerca de 5,32% do total que deve integrar o sistema.
Os pesquisadores alertam que o ritmo de novos registros no CAR continua superior aos esforços de análise realizados pelos órgãos ambientais, o que amplia o risco de inconsistências cadastrais, sobreposições indevidas e conflitos fundiários. “Esse risco existe sobretudo em áreas de expansão agropecuária e de crescente ‘grilagem verde’, prática em que áreas públicas ou protegidas são registradas indevidamente com o intuito de gerar créditos de carbono ou outros benefícios econômicos ” explica Raoni Rajão, pesquisador do CSR/UFMG, que gera os dados do módulo de imóveis rurais do Termômetro, por meio do Panorama do Código Florestal.
O pesquisador ainda salienta que continua havendo crescimento do número de sobreposição, especialmente com unidades de conservação. Isso indica uma piora na qualidade dos dados do CAR em relação aos riscos socioambientais. “Enquanto o número de imóveis cadastrados cresceu em 5% de 2024 para 2025, a quantidade daqueles em justaposição com Unidades de Conservação foi 9% maior”. diz.
O passivo de Reserva Legal no país é de 17,3 milhões de hectares – contra 16,3 milhões do ano anterior. Já o que falta recuperar de áreas de preservação permanente chega a 3,14 milhões de hectares (eram 3,03 milhões).
O remanescente de Reserva Legal existente também aumentou. Chega a 98,6 milhões de hectares (95,3 milhões antes). Há, ainda, excedente de área com vegetação nativa preservada, que chega a 70 milhões de hectares, um aumento de quase 2 milhões de hectares em comparação com o número anterior (68,2 milhões de hectares). Este excedente pode ser usado para compensação ambiental de propriedades que têm passivos de RL ou pode continuar conservado – com a possibilidade de recebimento por serviços ambientais.
“Os dados mostram que os registros no CAR, que são auto declaratórios, seguem avançando. Mas a regularização ambiental das propriedades, uma exigência da lei, ainda apresenta dificuldades. Ou seja, sabemos que o déficit existe, mas a recuperação das áreas degradadas está muito abaixo da necessidade”, diz o secretário-executivo do Observatório do Código Florestal, Marcelo Elvira. “Esse atraso ameaça o próprio Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), que prevê o compromisso de recuperação de 12 milhões de hectares, sendo que 9 milhões de hectares desse total correspondem a RL e APPs”, completa.
Termos de compromisso
A análise dos dados referentes aos termos de compromisso de regularização ambiental (TCs) também evidencia os desafios para o avanço na implementação da lei. Apenas 11 estados registraram aumento no número de termos de compromisso assinados, passo inicial para a adequação das propriedades. Outros dez estados não disponibilizaram informações a respeito dos TCs. E cinco estados não têm termos de compromisso assinados.
Na avaliação de Marcondes Coelho, pesquisador associado no Instituto Centro de Vida (ICV), “a dificuldade de acessar os Termos de Compromisso firmados entre os estados e os proprietários ou posseiros limita o acompanhamento do Programa de Regularização Ambiental (PRA), que é chave na implementação do Código Florestal”.
Assentamentos rurais
A análise de dados do Termômetro revela um ponto crítico na regularização ambiental dos assentamentos, mostrando que 96% da área cadastrável já foi registrada, totalizando 29,1 milhões de hectares. No entanto, para Jarlene Gomes, pesquisadora do Ipam, a principal fragilidade reside nas sobreposições: mais de 90% delas envolvem imóveis rurais , com 52% da área total cadastrada em assentamentos sendo registrada como imóvel rural. “Essa sobreposição representa, na prática, o registro de lotes de assentamentos como se fossem imóveis rurais privados”, diz. No estado do Espírito Santo, por exemplo, todos os perímetros/lotes de assentamentos foram registrados como imóvel rural, indicando que a “Falta de módulo próprio de assentamento” no sistema do CAR impede o tratamento adequado e diferenciado para essas áreas, bem como o avanço para regularização ambiental desses territórios.
Inovação
Na nova edição, houve uma inovação na apresentação dos dados, com a discriminação de vazios fundiários – áreas sem informações quanto à titularidade, que somam, segundo os dados, 67 milhões de hectares, uma área maior que o estado de Minas Gerais. Com a alteração, foi possível visualizar, por exemplo, as áreas de territórios tradicionais que já foram oficialmente reconhecidas mas ainda não estão inscritas no CAR, tarefa sob responsabilidade do poder público. Essa parcela de área representa 14,55% do total de territórios tradicionais oficialmente reconhecidos. No entanto, é crucial ressaltar que é impossível quantificar com segurança a totalidade dos Territórios Coletivos de Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) que permanecem fora do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Isso ocorre porque não há consenso ou certeza sobre o número exato de territórios existentes, uma vez que o conceito de Território Tradicional abrange também aqueles ainda não titulados ou oficialmente reconhecidos, mas que são, de fato, ocupados e utilizados tradicionalmente. Possivelmente, a área de territórios tradicionais a ser cadastrada é significativamente maior e estaria potencialmente incluída nestes 67 milhões de hectares do vazio fundiário.
A plataforma
O Termômetro do Código Florestal é uma iniciativa da rede do Observatório do Código Florestal. Os dados são gerados e analisados pelo comitê técnico da rede, composto por sete organizações: Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM, Centro de Inteligência Territorial (CIT/UFMG), Instituto Centro de Vida (ICV), Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola(Imaflora), Instituto Socioambiental (ISA), BVRio e Amigos da Terra – Amazônia Brasileira. O desenvolvimento é do IPAM.
Apresenta informações atualizadas sobre o cenário de implementação da Lei de Proteção da Vegetação Nativa. Os dados são disponibilizados em mapas e gráficos simplificados. Podem também ser visualizados em nível municipal e estadual, além do agregado das informações para o país e para os biomas brasileiros.
O Observatório
O Observatório é uma rede de 48 organizações da sociedade civil, criada com objetivo de monitorar a implementação da Lei de proteção da vegetação nativa do Brasil, defender a proteção dos biomas e a produção sustentável no país.
A Lei de proteção da vegetação nativa
Em vigor desde 2012, o Código prevê o cadastramento de todas as propriedades rurais no Brasil para, então, mapear o cenário de cobertura vegetal no País. Ao todo, mais de 8 milhões de propriedades já foram cadastradas, mas apenas cerca de 6% já estão com a sua regularidade analisada.












































