Mais que a situação das empresas, o que interessa aqui são as condições de mercado do boi. Favoráveis ao frango, sem dúvida.
Criado em Mato Grosso, o analista de research Victor Saragiotto, do Credit Suisse, deu a medida da confusão instalada no campo em um debate na semana passada. Como o boom de commodities vem perturbando os referenciais, já se diz que o milho passou a ser negociado a preço de soja – e que o grão mais importante da agricultura nacional está valendo um boi. A loucura é tamanha que gestores tarimbados ainda tentam entender até onde vai o estouro da boiada no Brasil. No fim do dia, quem sofre mesmo são os frigoríficos – não há espaço para repassar o custo ao combalido consumidor. E enquanto o boi escalava nas primeiras semanas de janeiro, as ações de Marfrig e Minerva Foods eram colocadas na geladeira.
A reação do investidor parece lógica. Se o gado partiu em desabalada carreira, não é prudente manter em carteira ativos dependentes de matéria-prima tão arredia, especialmente em um negócio de commodities, que vive com margens apertadas. Para fontes da indústria e analistas, no entanto, o entendimento sobre essa indústria estaria distorcido por uma dose de desconhecimento – o que coloca os frigoríficos como barganhas.
Desde o início do ano, o preço do boi gordo subiu 13%, rompendo os R$ 300 por arroba, segundo o indicador Esalq/B3. Em comparação com igual intervalo de 2020, a alta chega a 60%. “O mercado está em pânico por causa da alta do preço do boi, mas está exagerando. Há uma mega oportunidade para investir em Minerva, Marfrig e JBS ”, diz um executivo.
Em relatório de janeiro, Isabella Simonato, do Bank of America Merrill Lynch (BofA), também sinalizou otimismo com os ativos de proteína animal neste ano. No documento, reiterou ‘buy’ nos quatro frigoríficos listados – BRF e JBS são as favoritas -, indicando um potencial de alta de pelo menos 40%.
Em janeiro, as ações da Marfrig caíram 8,4%, em uma clara fuga do boi caro. Mas, para analistas do setor, esse raciocínio não faz sentido porque atribui peso exagerado à operação brasileira da segunda maior indústria de carne bovina do planeta.
Atualmente, a empresa de Marcos Molina é basicamente uma indústria americana. A National Beef, quarto maior frigorífico dos Estados Unidos, é a responsável por mais de 75% da receita líquida de R$ 60 bilhões da companhia. Os sinais apontam para resultados extraordinários nos EUA, o que também beneficia a JBS – outra empresa que se ressente do valor percebido pelos investidores. Para o BofA, as margens do negócio de carne bovina nos EUA se normalizaram acima da média histórica.
Leonardo Alencar, analista de alimentos e bebidas da XP Investimentos, nota que o “cut-out” – composição de cortes acompanhada de perto por quem entende de pecuária nos EUA – iniciou 2021 ainda melhor do que o mesmo período do ano passado. Não é pouca coisa. No último ano, os frigoríficos do país tiveram a melhor rentabilidade de todos os tempos.
Mudar a percepção do mercado é a tarefa de Eduardo Puzziello, executivo que foi da Minerva e em dezembro assumiu a diretoria de relações com investidores da Marfrig. Na companhia, a avaliação é que os detentores de bonds já entenderam a empresa. A Marfrig levantou em janeiro US$ 1,5 bilhão em papéis de dez anos – com juro de 3,95% ao ano, o menor da história.
O desafio agora é alterar a visão do investidor brasileiro em renda variável. Há quem diga que só a listagem de ações nos EUA, um projeto sempre considerado pela Marfrig – a JBS está mais adiantada -, faria esse serviço. Para Alencar, isso não é necessário. Ele acredita que o tempo se encarregará de mostrar as vantagens da companhia.
A divulgação dos próximos balanços trimestrais, que devem confirmar o bom momento da Marfrig nos EUA e a economia com despesas financeiras, vai ajudar a estabelecer uma visão mais construtiva. Diante dessas oportunidades, a XP mantém a recomendação de compra para o papel, com preço-alvo de R$ 18. Atualmente, as ações da Marfrig são negociadas a R$ 14,07, o que dá à companhia um valor de mercado de apenas R$ 10 bilhões.
Rival da Marfrig na América do Sul, a Minerva é outra vítima do boi caro. Neste caso, o receio dos investidores faria mais sentido, já que o negócio da família Vilela de Queiroz não opera nos EUA. Mas, como suas ações caíram mais de 18% no ano passado e recuaram outros 8,5% em janeiro, os papéis podem estar com bom desconto.
“Apesar da visão mais cautelosa sobre a carne bovina no Brasil, acreditamos que os resultados da Minerva devem permanecer resilientes em 2021 com o Ebitda girando em torno de R$ 2 bilhões, ligeiramente abaixo do ano anterior”, escreveram os analistas do BofA. A baixa alavancagem também deve permitir o pagamento de dividendos. Na B3, a Minerva vale apenas R$ 5,2 bilhões. O preço-alvo do banco para as ações da Minerva é de R$ 13,50. Ontem, fecharam cotados a R$ 9,50 na B3.
Em relatório desta semana, os analistas Thiago Duarte e Henrique Brustolin, do BTG Pactual, também destacaram que a Minerva deve pagar bons dividendos. Para eles, o valuation da companhia parece atrativo para um investimento, mas as margens apertadas pelo boi mais caro dificultam a recuperação do papel.
Tipicamente, as ações da Minerva são negociadas a um múltiplo (relação entre valor de firma e Ebitda) de 5 a 5,5 vezes. Pela cotação atual do papel, o mercado precifica Ebitda 25% menor em 2021. “O primeiro trimestre vai ser mais fraco, mas uma queda dessa no ano é exagero”, sustentou uma fonte.
A Minerva tem ainda a vantagem de seus negócios não se restringirem ao Brasil. Cerca de 45% da receita é gerada com as plantas da subsidiária Athena na Argentina, Paraguai e Uruguai, países com desempenho melhor que o Brasil – mesmo os argentinos, que voltaram a tabelar preço, ainda dão resultado positivo. E a disparada dos preços das commodities tem também seu lado positivo para os frigoríficos. A China deve bater novo recorde na importação de carne bovina brasileira, com os embarques ganhando fôlego após o Ano Novo Lunar.