Indústrias já mostram cautela na compra de gado, cientes de que a oferta de frango cresce no mercado interno por embargos.
A descoberta do primeiro foco de gripe aviária em uma granja comercial do Brasil deixou os frigoríficos de carne bovina mais cautelosos na compra de gado. O clima é de incerteza, pois não se sabe até que ponto a oferta de frango, concorrente da carne bovina, crescerá no mercado interno, o que agrava um cenário já sazonalmente negativo para os preços do boi gordo.
O anúncio, na semana passada, de um foco da doença em uma granja de matrizes em Montenegro (RS) desencadeou uma série de suspensões temporárias nas exportações de produtos avícolas. Ao todo, mais de 20 países aplicaram algum tipo de restrição ao frango brasileiro e seus subprodutos. Esse produto não exportado será redirecionado a outros importadores ou ficará no mercado doméstico.
“A indústria está preocupada com as definições sobre a situação da gripe aviária. Nesses casos de incerteza, a postura é mais conservadora e de fazer escalas [de compra de gado] mais curtas”, disse uma fonte de frigorífico ao Valor.
A diretora da consultoria Agrifatto, Lygia Pimentel, ressaltou que o vírus H5N1 e suas consequências para o setor de carnes ajudam a intensificar a queda da arroba. “O mercado já estava caindo, e foi um motivo a mais para pressionar negativamente”.
No acumulado de 2025 até ontem, o preço do boi gordo caiu 5,57%, de acordo com o indicador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), para R$ 303,65 a arroba.
Nesta época do ano, os preços do boi gordo no mercado físico costumam cair, com o fim do período das chuvas, que reduz a disponibilidade de pasto. Isso obriga muitos pecuaristas a ofertarem os animais. O analista da Datagro Pecuária, João Figueiredo, observou que, nos últimos 30 anos, esse cenário se repetiu em 28.
Ele acrescentou que o aumento da concorrência tende a deixar o ambiente menos favorável para a carne bovina. Segundo Figueiredo, com a eventual maior oferta, o frango deve ficar um pouco mais barato, puxando para baixo também a carne bovina.
Dados da Scot Consultoria mostram que esse movimento já começa a se materializar. Na última semana, os preços de todas as categorias da carne bovina recuaram no atacado. No segmento de carne com osso, a carcaça casada do boi capão caiu 3,4%, negociada em R$ 21,15 por quilos, e a do boi inteiro baixou 2,9%, cotada em R$ 19,65. As carcaças de vaca e de novilha também ficaram com preços menores na redução semanal, em 3,9% e 3,2%, respectivamente.
“Com o frango mais barato e considerando o perfil do consumidor brasileiro, há uma tendência de redução no consumo de carne bovina — por apresentar maior valor agregado em relação às demais proteínas animais — reforçando a pressão negativa sobre seus preços”, disse Rafaela Facchina, analista da Scot.
“Esse movimento já vem sendo observado principalmente no atacado, com menor procura por parte do varejo para reposição de estoques, o que tem elevado o volume armazenado nas câmaras frigoríficas. No curto prazo, o cenário deve seguir pessimista, com vendas restritas e tendência de queda nas cotações [da carne bovina]”, acrescentou a analista.
No lado da oferta de boi, o pesquisador do Cepea Thiago Bernardino afirmou que há pecuaristas que resistem em vender animais quando os preços são considerados muito baixos. “O mercado está buscando um ajuste no meio de todo esse cenário que também é muito especulativo”, afirmou.