Segundo a OMC (Organização Mundial do Comércio), o comércio global de mercadorias está desacelerando neste final de ano. Os cálculos do barômetro (mecanismo que mostra em tempo real a trajetória do comércio mundial) apontam valores de 99,5, contra 110,4 em agosto; lembrando que quando o valor está acima de 100, temos um crescimento acima da tendência esperada. Na conjuntura atual, o índice de componentes eletrônicos está em 99,6; o de transporte em contêineres em 100,3; o de matérias-primas em 100,00; e o de frete aéreo em 106,1 (único que permaneceu de forma relevante acima da tendência). Mas as perspectivas para a economia mundial no ano que vem se mantêm ao redor de 4,7%, o que é um bom número. Foi um mês de piora nos indicadores.
No agro mundial e brasileiro, nas estimativas de novembro do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) para safra global 2021/22, a produção de milho nos EUA foi revista de 381,5 (relatório anterior) para 382,6 milhões de t (+0,3%). A produção na União Europeia também foi acrescida, saindo de 66,3 milhões de t para 67,9 milhões de t (+2,4%). A Argentina de 53,0 para 54,5 milhões de t (+2,8%). Brasil e China tiverem seus números mantidos em 118 e 273 milhões de t, respectivamente. Com isso, a produção global do cereal deve ficar em 1.204,62 milhões de t; 7,6% maior que 2020/21. As estimativas para os estoques globais do milho estão em 304,4 milhões de t, um crescimento de 4,3% em relação ao ciclo passado.
Na soja, o relatório de novembro indicou uma produção pouco menor nos EUA: de 121,05 milhões de t do relatório passado, para 120,4 milhões de t na nova previsão (-0,5%). A produção na Argentina também foi reduzida para 49,5 milhões de t (-2,9%); era de 51,0 milhões de t em outubro. No Brasil, a produção foi mantida em 144 milhões de t, alta de 4,3% em relação à 2020/21. Como resultado, a oferta global da oleaginosa deve ser de 384,01 milhões de t em 2021/22, crescimento de 4,8% em relação ao ciclo passado. Já os estoques finais devem ficar em 103,8 milhões de t, também acima da safra passada, em 3,7%. Ou seja, milho e soja vem vindo com bons crescimentos em relação à safra anterior.
No Brasil, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que a produção de grãos da safra 2021/22 irá atingir 289,8 milhões de t, um incrível crescimento de 14,8% frente à temporada passada. Se tudo correr bem, teremos 37 milhões de t de grãos a mais. O salto na área produtiva também é impressionante, de 69 milhões de hectares na safra 2020/21 para quase 71,85 milhões nesta (+4,1%). Na cultura da soja, a produção deve totalizar recorde de 142 milhões de t (+3,4%), em uma área cultivada de 40,3 milhões de hectares (+3,5%). Já no milho, a primeira safra está estimada em 28,6 milhões de t (+15,7%), alcançando área cultivada de 4,35 milhões de hectares (+2,5%). No acumulado das três safras do cereal, projeta-se um crescimento de 15,7% no volume colhido, chegando a 116,7 milhões de t. Finalmente no algodão, espera-se uma produção de pluma 12,6% superior, somando 2,65 milhões de t, em consequência do aumento da área de plantio em 9,3%, que ficou em 1,5 milhão de hectares. Expectativas são altas para a consolidação de uma supersafra!
Também segundo a Conab, até o final da primeira semana de novembro, 67,3% das áreas de soja no Brasil já haviam sido semeadas; contra 55,1% no mesmo período do ciclo 2020/21. O Mato Grosso, principal produtor da oleaginosa, é o estado com maiores avanços até aqui, com 96,0% do plantio já concluído. No milho verão, o progresso era de 54,4%, pouco acima dos 53,1% registrados na mesma data de 2020/21. O Paraná lidera os avanços, com 98,0% das áreas já plantadas com o cereal.
Em outubro, as exportações do agronegócio brasileiro alcançaram US$ 8,84 bilhões, valor recorde para o mês (mais uma vez!), crescimento 10,0% em relação ao mesmo mês de 2020. Segundo o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), a elevação nas receitas foi resultado de alta de 25,8% nos preços dos produtos, já que que os volumes caíram 12,5% no comparativo mensal. No top 5 dos produtos que mais arrecadaram, temos: na liderança, o complexo soja com US$ 2,47 bilhões (+75,7%), dos quais a soja em grão representou 70% (US$ 1,51 bilhão); na segunda posição estão as carnes, que exportaram US$ 1,51 bilhão (+3,6%), sendo que a carne de frango foi a fonte com maior participação, de 46,2% (a bovina, por sua vez, registrou queda de 31,6%, impacto das restrições nas importações da China); em terceiro, ficaram os produtos florestais, com US$ 1,20 bilhão (+17,3%); na quarta colocação aparece o complexo sucroalcooleiro, com vendas em US$ 910,9 milhões (-30,0%), setor que apresentou redução significativa nos embarques, especialmente pela queda de 28,6% nas vendas do açúcar; e fechando o top 5, em quinto, temos o café, que exportou US$ 606,7 milhões (+18,9%).
As importações, por sua vez, somaram US$ 1,4 bilhão em outubro, crescimento de 16,7% em comparação com o mesmo mês de 2020. Como resultado, o agro brasileiro entregou um saldo positivo de US$ 7,44 bilhões (+8,8%). No acumulado de 2021 (janeiro – outubro), as exportações do agro brasileiro somam US$ 102,36 bilhões, crescimento de 19,5% no comparativo com o mesmo período do ano passado. É o recorde anual em valores nominais em dólar, faltando ainda dois meses para terminar o ano.
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) também reestimou o Valor Bruto da Produção Agropecuária em 2021, com dados do mês de outubro. Agora, o órgão estima um VBP total de R$ 1,119 trilhão; 1,45% maior que a estimativa de setembro e 9,9% superior ao de 2020. As lavouras devem entregar R$ 757,23 bilhões (67,6%), com crescimento anual de 11,8%; e as cadeias da pecuária apresentarão VBP de R$ 362,72 bilhões (32,4%), alta de 6,2% no comparativo com o ano passado.
De acordo com o estudo “Perspectivas para o Agronegócio 2022” divulgado pelo Rabobank, teremos mais um ano de preços atrativos para as principais commodities agrícolas, visto a retomada econômica global e oferta/estoques ainda limitados. A principal preocupação recai sobre o cenário fiscal brasileiro, visto a aproximação do ano de eleições, o que deve manter o real desvalorizado frente ao dólar. O banco holandês projeta a moeda americana em R$ 5,61 na média de 2022, beneficiando as exportações, mas gerando apreensão no que se refere aos custos de produção.
Com a colheita recorde de soja esperada para 2021/22 no Brasil e os EUA consolidando a 2ª melhor safra, os preços da oleaginosa não devem se sustentar nos patamares atuais, mesmo com o aumento de importações da China em 3 milhões de t, totalizando volume de 101 milhões ao longo de 2021/22. Dessa forma, as cotações da soja devem ficar entre US$ 12,55 e US$ 12,70/bushel na média em 2022, longe dos US$ 16/bushel evidenciados em 2021.
Já no milho, com uma reposição de estoques mais lenta e forte posição comprada da China sobre o cereal americano, os preços tendem a se manter entre US$ 5,35 e US$ 5,50/bushel. Esse cenário deve manter as cadeias de proteína animal com margens apertadas.
No entanto, apesar das boas expectativas de produção neste ciclo, agricultores já relatam dificuldade em encontrar fertilizantes e defensivos no mercado, em decorrência da crise energética que assola China, Índia e Rússia, somada aos problemas logísticos marítimos globais com a escassez de contêineres e navios. O grande impacto disso deve ser evidenciado na temporada 2022/23, visto que para o atual ciclo grande parte dos insumos utilizadas já foram comprados e armazenados. Além do aumento de preços, há também alguns riscos de desabastecimento, visto que, com o a menor oferta, os países fornecedores devem priorizar o abastecimento doméstico ao invés das exportações. Vale lembrar que cerca de 60% dos ingredientes de defensivos e 70% dos de fertilizantes são adquiridos de fora, gerando grande dependência das importações. Sinal de alerta ligado!
Nesse contexto, um estudo divulgado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), apontou as culturas com maior variação no custo operacional efetivo na safra 2020/21, quando comparadas com a safra 2019/20. O arroz liderou a lista, com custos 34,0% maiores no ciclo passado; seguido do café conilon, com 31,3%; e da soja, que teve custos 16,4% maiores no último ciclo.
O mês de novembro também foi marcado pela realização da COP-26, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Glasgow, na Escócia. Diversos acordos e compromissos foram firmados por lideranças globais, durante o evento, como: a redução do desmatamento ilegal; acordos de neutralidade nas emissões; e avanços na área de créditos e financiamento verde. Durante o evento, a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) lançou o “Manifesto de Cooperação Ambiental”, um posicionamento das cooperativas diante da agenda sustentável, e que descreve os princípios do setor para contribuir na redução do aquecimento global. O manifesto também aponta algumas demandas, como a regulamentação do mercado de carbono mundial, a criação de leis para pagamento por serviços ambientais e os incentivos para produção renovável no ramo agropecuário.
A consultoria especializada em sustentabilidade WayCarbon, sob encomenda da ICC Brasil (International Chamber of Commerce Brasil), realizou um estudo recente onde mostrou que o Brasil tem capacidade de gerar até R$ 100 bilhões em créditos de carbono apenas no setor do agronegócio, floresta e energia até 2030. O montante seria o equivalente a 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente.
A Geo Energética, maior empresa brasileira de biogás produzido a partir de resíduos do setor sucroenergético, anunciou que pretende investir entre R$ 300 e R$ 450 milhões em 2022. De acordo com a companhia, três novos projetos já estão confirmados: a construção de novas unidades produtoras do biogás no Mato Grosso, uma em São Paulo e outra em estado do Sul (ainda não revelado). Representantes da empresa afirmam que pode haver um quarto projeto, que ainda está em negociação.
A política brasileira de biodiesel tem sido alvo de discussões recentes entre entidades do setor. Neste ano, houve redução na mistura de biodiesel ao diesel convencional de 13% para 10%, justificada pela forte demanda e altos preços de comercialização da principal matéria-prima para o biocombustível, a soja. Por outro lado, muitos especialistas consideraram tal medida com um retrocesso e uma fragilização da política nacional do biodiesel, visto que no atual cenário, as importações estão sendo favorecidas em detrimento à indústria de biodiesel. Além disso, há preocupações de como essa mudança pode ferir a reputação do país, que vinha se consolidando com um dos principais países da pauta das energias renováveis.
Ainda dentro da temática do biodiesel, a partir de 1º de janeiro de 2022 os leilões para o produto deixarão de existir, ficando vigente apenas a negociação direta entre produtores e distribuidores. A União Brasileira do Biodiesel e Bioqueresone (Ubrabio) sinalizou preocupações quanto à medida, alegando que as grandes distribuidoras devem concentrar as aquisições, reduzindo os estoques disponíveis e pressionando os preços.
Para concluir a nossa análise geral do agro, os preços dos principais produtos no fechamento desta coluna eram: a soja para entrega em cooperativa de São Paulo estava em R$ 158/sc e R$ 150/sc para fevereiro de 2022. No milho, a cotação atual está em R$ 82,00/sc e a entrega em maio de 2022 fechou em R$ 83/sc (B3). O algodão fechou em R$ 199/arroba e para junho de 2022 em 186/arroba; e o boi gordo em R$ 303/arroba, sensivelmente acima do mês passado.
Nossa leitura de preços pelos fatos disponíveis hoje: preços de soja, milho e algodão: tendências de manutenção com viés de baixa. Preços de cana, laranja e café, tendências de manutenção. Preços das carnes: tendência de manutenção e ligeiro viés de alta.
Os cinco fatos do agro para acompanhar em dezembro são:
1. A conclusão dos plantios da primeira safra e a qualidade das lavouras;
2. O comportamento de compra, de preços e da oferta de defensivos e fertilizantes;
3. O fechamento da safra americana, com a consolidação dos números finais. Devem variar muito pouco em relação ao que já conhecemos;
4. Uma possível volta da China às compras de carne bovina;
5. A situação mundial de crise energética (escassez de carvão, preços do petróleo, do gás natural e outros), aumento da incidência do coronavírus na Europa e Asia, acompanhar dia a dia o que acontece na China, Índia e em outros produtores de químicos e fertilizantes para entendermos o que serão os próximos meses.
Marcos Fava Neves é Professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP em Ribeirão Preto e da EAESP/FGV em São Paulo, especialista em planejamento estratégico do agronegócio. Acompanhe outros materiais na página DoutorAgro.com, no canal do Youtube e no MarketClub Sicoob Credicitrus, a quem agradecemos ao apoio para elaborar este texto, que tem como a co-autoria do Vitor Nardini Marques e Vinicius Cambaúva.