A intervenção que o presidente turco Recep Tayyip Erdogan fez no Banco Central do país mexeu com o câmbio no Brasil e virou tema do mercado local na segunda-feira. Mas, na prática, a verdade é que os acontecimentos no Estado formado a partir do Império Otomano têm importância quase nula para o universo corporativo brasileiro. Quase. A Turquia importa à BRF, uma de suas apostas principais no exterior nos últimos anos.
A desvalorização da lira pode pressionar a rentabilidade da Banvit, comprada pela BRF há quatro anos. A processadora de carne de frango fez a Turquia destronar a Arábia Saudita como o país mais importante para o grupo no exterior – quase 7% das vendas, conforme os últimos dados disponíveis – e a aposta foi renovada.
Depois de avaliar e descartar uma potencial aquisição, a dona da Sadia insistiu no país e decidiu recentemente investir US$ 40 milhões (equivalente a R$ 220 milhões) para ampliar os abates e a produção de alimentos processados em Bandirma, na porção noroeste da Turquia.
A estratégia alheia aos solavancos de curto prazo parece ser bem entendida pelo investidor – o cenário externo mal arranhou a ação da BRF.
Para uma companhia acostumada a gerir marcas icônicas como Sadia, Qualy e Perdigão, o jogo na Turquia não é hostil. As turbulências cambiais tornam o repasse da valorização do preço dos grãos usados na ração ainda mais desafiador, já que são dolarizados – mas a Banvit vem ganhando market share mesmo assim. Em dezembro, a marca chegou a 25,9% de participação em processados, alta de 4,9 pontos, com uma preferência saindo de 39% para 54%.
“É um país que tem mercado, escala e uma marca forte”, diz Moura. “O grande solavanco é a pandemia”, acrescenta.
Ao contrário do Brasil, que possui um colchão de reservas internacionais para lá de confortável, a Turquia tem apenas US$ 11 bilhões. E pior: o turismo, importante fonte de divisas, está virtualmente paralisado. “O influxo do turismo caiu de US$ 29 bilhões para US$ 6 bilhões. É um choque muito grande do ponto de vista macro”, afirma o executivo.
Desde 2017, a lira se desvalorizou 55% em relação ao dólar. Nem o real conseguiu tal façanha: a depreciação foi de 41% no mesmo período. Mas a expectativa é que, passada a crise da covid-19, a Turquia volte a render frutos para o grupo brasileiro.
E, como reza o bom e velho clichê, na crise também há oportunidades. A compra da Banvit, negócio avaliado em mais de US$ 400 milhões, foi feita pela BRF em sociedade com o fundo soberano do Catar. Minoritário, o fundo pode exercer uma put entre maio e novembro – e a opção está denominada em liras.
Valor Econômico – Luiz Henrique Mendes