Ainda que pairem incertezas na economia e que o auxílio emergencial – lançado em 2020 para atenuar os efeitos da pandemia – não tenha sido renovado até agora, o CEO global da BRF, Lorival Luz, mostra otimismo em relação à demanda doméstica e às exportações de carnes de aves e suínos, sobretudo para a China.
“As pessoas podem deixar de comprar uma roupa, um acessório, várias coisas podem ser postergadas, alimento não tem como”, afirma. Para Luz, um dos efeitos do fim do auxílio pode ser a migração, por parte do consumidor, das proteínas mais caras, como a carne bovina, para frango e carne suína.
O executivo também avalia que os custos de produção do setor seguirão em alta neste ano, o que terá de ser repassado ao produto final.
Hoje, as 32 unidades da BRF no Brasil estão operando normalmente, segundo Luz, mas, em 2020, a empresa chegou a ter fábrica paralisada após ação do Ministério Público para evitar a disseminação da Covid-19 entre empregados.
Ele admite que o risco de novas paralisações ainda existe. “Até que se tenha a imunidade de rebanho consolidada, que é com vacina, isso é um risco”, afirma.
A BRF registrou uma receita líquida de R$ 28 bilhões entre janeiro e setembro de 2020, e investiu, nesse período, R$ 400 milhões em medidas para combater a Covid-19. Entre elas, está a contratação temporária de 10 mil pessoas para substituir empregados de grupos de risco afastados – cerca de 5 mil seguem em casa.
Em janeiro, a empresa concluiu a aquisição de 100% da processadora de alimentos Joody Al Sharqiya Food, da Arábia Saudita, por cerca de US$ 8 milhões. A BRF já tem unidades de produção na Turquia, Malásia e Emirados Árabes.
A seguir, leia os principais trechos da entrevista do CEO da BRF à Revista Globo Rural:
Globo Rural – Em 2020, o auxílio emergencial ajudou a manter o consumo durante a pandemia. Neste ano, o auxílio não foi renovado. Como isso afeta o consumo?
Lorival Luz – Com ou sem o auxílio, as pessoas precisam se alimentar. As pessoas podem, sem auxílio, deixar de comprar uma roupa, um acessório, várias coisas podem ser postergadas, alimento não tem como. O impacto para nós do auxílio é menos relevante do que para outros setores. Mas, sem dúvida, acho que foi benéfico para a economia do país como um todo e se evitou um grande colapso, mantendo o poder de compra da população e a economia ativa em vários setores.
GR – Quais as perspectivas da BRF para a demanda doméstica em 2021?
Luz – Estou bastante otimista. Acredito muito no crescimento do consumo de alimentos à base de suínos. E isso é uma das prioridades nossas. Porque o consumo per capita no Brasil é de 15,9 quilos, nos EUA, é de 30, na Europa, é 35. Acho que tem um trabalho a ser feito, que é um trabalho de desmistificação da carne suína, de mostrar que hoje ela é absolutamente saudável. Então, minha expectativa é positiva porque o setor de alimentos continuará crescendo com o crescimento da população e, no nosso caso específico, também haverá uma expansão do consumo de carne suína e de derivados.
GR – O fim do auxílio emergencial não interfere na demanda?
Luz – Não vejo. O que pode acontecer é haver uma migração do produto mais caro para o mais barato, o que pode impactar a carne bovina, que é mais cara. E aí a proteína mais barata é a de frango, a segunda mais barata é a de suíno. Então, nesse aspecto, é que estou bastante otimista com relação à perspectiva para a BRF.
GR – Qual a perspectiva para a demanda de China e de outros importadores? Os episódios relatados por Pequim de embalagem contaminada com o novo coronavírus proveniente do Brasil tiveram impacto nas vendas ao país asiático?
Luz – Não afetou, no nosso caso, em nada. Não foi em planta nossa, [os chineses ] suspenderam temporariamente, depois retomaram. Eles ficaram mais restritivos, sim. Restritivos em algumas plantas, fazendo inspeção on-line, acompanhamento, mas o fluxo seguiu e a perspectiva é que continuará seguindo. Porque a demanda da China [por proteínas] ainda continuará. Eles estão recuperando e vão recuperar a produção [de suínos, afetada pela peste suína africana], mas ainda não será em 2021 que retomarão o nível de 2018. Isso levará mais uns dois, três anos. Então, para o mercado externo a perspectiva também é positiva. O que a gente gostaria, e estamos trabalhando com o apoio do Ministério da Agricultura, é retomar a exportação de aves ao mercado europeu [suspensa desde 2018, em um desdobramento da Operação Carne Fraca].
GR – No ano passado, a BRF tomou várias medidas para enfrentar a Covid-19 nas unidades. Essas mudanças vieram para ficar? Quanto a empresa investiu?
Luz – Acho que algumas coisas vêm para ficar, outras vão ser readequadas. Um exemplo: dobramos a frota de transporte de pessoal por causa do espaçamento. Obviamente que na hora que retomou, vacinou, não faz sentido manter o espaçamento. Mas tem coisas que incorporamos. No próprio uniforme dos trabalhadores, há uma máscara, que já está agora incorporada. Acho que muitas boas práticas vão ser incorporadas, como as divisórias entre os profissionais e nas mesas dos refeitórios. Em relação a impacto de Covid, já tivemos de gastos, incluída também a doação de R$ 50 milhões, uns R$ 400 milhões até setembro de 2020. Isso inclui testes, material de higienização, adequações no transporte de pessoal, EPIs, contratação de 360 pessoas para ficarem nas plantas assegurando que os empregados estavam seguindo os protocolos. Além disso, contratamos, ao longo desse tempo, 10 mil pessoas para manter a produção porque afastamos os de grupo de risco preventivamente logo de cara. E quando havia uma contaminação, a gente fazia uma busca ativa, olhava quem esteve em volta e afastava.
GR – O lucro da BRF caiu até setembro de 2020 afetado por maiores custos e por causa da Covid-19. É possível retomar a trajetória de recuperação dos resultados este ano?
Luz – Em 2019, a gente teve algumas recuperações fiscais que impactaram [positivamente] o resultado. Em 2020, houve R$ 400 milhões de custo de Covid. Se for olhar de [impactos] extraordinários, positivo de um ano e negativo de outro, você tem quase R$ 1 bilhão de diferença. Então o resultado muito próximo ali, em 2019 e 2020, é excelente, tirando esses dois efeitos. E se a gente comparar a evolução, em 2018, nos primeiros nove meses, era um prejuízo de mais de R$ 2 bilhões. Agora, mesmo com tudo isso, são R$ 500 milhões de lucro. É possível, sim, retomar a trajetória de recuperação, e é nisso que estamos trabalhando. O planejamento até 2030 prevê trabalhar em algumas avenidas de crescimento e algumas delas também já vão começar a dar resultado, além de iniciativas que começamos em 2018 e 2019. Por exemplo, o investimento em transformação digital e o programa de excelência operacional nas fábricas.
GR – Em 2020, o preço dos grãos subiu e elevou os custos do setor. Em 2021, o milho continua em alta. Qual a expectativa para os custos?
Luz – Hoje o milho é o maior componente de custo do setor. Não tem milagre. Subiu o preço do milho, subiu o custo de produção, que impacta o preço final do alimento. O que aconteceu no nosso caso? Viramos 2020 para 2021 com o maior nível comprado de milho que já tivemos, inclusive comprado ainda no meio do ano passado, até antes. Isso assegura um custo de produção bastante eficiente ainda no primeiro semestre. Mas o milho caro vai chegar. Esse milho caro vai chegar no frango na sua plenitude e o custo de produção vai subir. O que vai acontecer é que o mercado vai se adequar porque não dá para se manter, com a subida que teve no milho, o preço do produto final. Acho que não há perspectiva agora de que os preços [dos grãos] se revertam brutalmente.
GR – Qual sua expectativa para o dólar e para o PIB neste ano?
Luz – Sou sempre otimista. Espero uma positiva retomada do PIB. Para o dólar, um ano de muita volatilidade.
GR – Em 2020, quando o Ministério Público mandou fechar fábricas por causa da Covid-19, o senhor disse que paralisações poderiam voltar a ocorrer. Esse risco ainda existe?
Luz – Existe. Acho que até que se tenha a imunidade de rebanho consolidada, que é com vacina, isso é um risco. E eu não preciso do Ministério Público para fechar planta. Fecho a planta antes. Porque a gente monitora nossos funcionários. Se tem um nível de contaminação que está alto, aumentando, vamos isolando as áreas da nossa planta. Então, paro uma determinada área, paro outra. Se for preciso fechar a planta, eu fecho a planta. Então o risco existe? Sim. Onde? Onde houver um nível de contaminação aumentando. Temos um comitê que monitora unidade a unidade o nível de contaminação. Se tivermos, espero que não, uma segunda onda, um aumento de casos, pode haver sim uma regressão no status de algumas unidades.
GR – O volume de produção foi afetado durante a pandemia, houve ociosidade nas plantas?
Luz – Não. Muito pelo contrário. A gente não teve ociosidade nenhuma. O que aconteceu foi que a produtividade acabou sendo reduzida porque afastamos as pessoas do grupo de risco, colocamos pessoas novas ou temporárias, tivemos que treinar. Sem contar que, em alguns momentos, uma determinada área foi isolada. Então, produzimos o tempo todo à plenitude, do que era possível. Em determinados períodos críticos, em algumas unidades, chegou a haver ruptura de algumas linhas de produtos porque estavam concentradas numa planta específica. Hoje, estamos produzindo à plenitude. Não tenho produção abaixo em nenhum lugar e não tenho capacidade ociosa ainda.
GR – A empresa chegou a ter unidades temporariamente impedidas de exportar à China por causa dos casos de Covid-19. Como evitar que proibições assim voltem a ocorrer?
Luz – Essa é uma missão quase impossível. Talvez agora com as coisas mais esclarecidas seja mais difícil de acontecer, mas vamos voltar 10 meses atrás, no início da Covid. Era bom usar máscara ou não era bom? Transmite de um jeito ou de outro? O que aconteceu? A China, como teve o caso lá, tinha preocupação de isso voltar. Por isso que baniram a nossa planta de Lajeado (RS). Porque quando a Covid começou a se espalhar pelo país, ela foi para São Paulo e aí foi muito forte para o Sul. Foi para o Rio Grande do Sul e pegou naquela região de Lajeado. Havia muitos casos ali. A notícia de casos em frigoríficos em Lajeado bateu na China, que suspendeu as compras temendo a contaminação de alimentos. Foram testados produtos e se comprovou que não havia contaminação, e a exportação da planta foi retomada. Então, como a gente evita [novas proibições]? Informando e demonstrando os procedimentos de precaução adotados.
GR – Qual o principal aprendizado com a Covid-19 para os negócios?
Luz – Acho que muitas tendências e mudanças de hábito do consumidor se aceleraram com a pandemia. Hábito de ele querer um alimento com qualidade, com segurança, praticidade e sabor. E que esse alimento, eventualmente, chegue até ele, pelo delivery. Então, essa tendência cada vez mais de pratos prontos é uma de nossas prioridades para trabalhar daqui para frente.
GR – A empresa definiu investimento de R$ 55 bilhões até 2030. Quanto disso será investido em 2021? Em quê?
Luz – Este ano já tem uma parte relevante desses investimentos – na casa dos R$ 5 bilhões. Não vamos construir fábrica nova. A gente vai modernizar, adequar algumas delas, fazer linhas de produção, algumas linhas novas, como de fatiados. Também deve entrar em operação uma planta que já tínhamos iniciado em Seropédica (RJ), para produção de salsichas. Vamos começar a investir também em mais alternativas de pratos prontos e em rações pet, porque é um mercado em crescimento e temos uma grande vantagem competitiva, pois, basicamente, grande parte dos insumos para a ração já temos dentro de casa. Temos hoje duas marcas bem pequenas e vamos investir pesado para que nos próximos cinco anos sejamos o segundo ou o primeiro no mercado de pet no Brasil.
GR – A BRF está investindo em proteínas plant-based? Como o senhor enxerga esse mercado?
Luz – Nossa agenda de inovação e crescimento contempla o desenvolvimento de uma plataforma específica para esse segmento nos próximos anos, para complementar as opções que já temos em nosso portfólio com a linha Veg&Tal. Acreditamos que é nesse segmento que deverá ocorrer a maior transformação do setor de alimentos e estamos preparados para ocupar posição de protagonismo no mercado de substitutos de carne e novas fontes de proteína.
GR – A postura anti-China de alguns membros do governo pode afetar as exportações brasileiras?
Luz – Acho que a gente tem de ter boas relações, e é isso que a BRF tem feito, inclusive com China, com o embaixador aqui, com os órgãos [do país]. Eu quero ter e terei boas relações com todo mundo que a gente puder ter oportunidades de exportação, de importação. Acho que a gente só ganha em ter diálogo construtivo e positivo.