Em entrevista ao Valor, Abbassian observou que o Brasil teve duas vantagens no ano passado para obter os bons resultados registrados por cadeias exportadoras de grãos, carnes, algodão, açúcar e café, por exemplo: em primeiro lugar, o real desvalorizado, com queda de cerca de 30% ante o dólar. Mas também ajudaram as boas colheitas e a demanda firme, sobretudo da China.
Para 2021, as perspectivas continuam positivas, mesmo comparadas com um ano excepcional como 2020. “Não se pode ser excelente todos os anos, mas o Brasil está com vantagens’’, afirmou o economista.
Segundo ele, o país poderá se beneficiar tanto dos preços elevados dos grãos como da demanda por carnes, a depender da evolução da economia internacional. Mesmo com as EUA recuperando participação no mercado de soja, como está acontecendo, Abbassian acredita que o Brasil não terá problemas para exportar, inclusive a outros mercados além da China. Também haverá mais espaço para o milho brasileiro no exterior, em sua avaliação.
“A questão para o Brasil será mais doméstica, pela pressão nos preços internos e para atender os mais vulneráveis nessa crise’’, acrescentou. “Mas o Brasil não tem tradição de restringir exportações e não tem nenhum problema maior para servir às necessidades internas e internacionais”.
O representante da FAO nota que, no começo da crise provocada pela pandemia da covid-19, houve preocupação sobre um eventual lockdown em portos no Brasil. Mas que, após algumas suspensões de embarques, a situação voltou rapidamente ao controle e o país não experimentou interrupções logísticas.
Globalmente, Abbassian considera que o cenário para o comércio agrícola em 2021 também continua positivo, em boa medida porque a oferta está firme – ou seja, não faltam alimentos. Mas recomenda cautela, já que os desafios para o comércio agrícola internacional vêm de fora, e não de dentro do setor.
Um deles é a volatilidade de preços, em meio a persistentes incertezas sobre a evolução da pandemia e, consequentemente, sobre a recuperação econômica internacional – a venda de produtos de maior valor agregado, reforçou, depende da melhora da economia. Se o consumidor está desempregado, sem dinheiro, não compra carne, por exemplo.
“Estamos vendo uma maior volatilidade de preços. Os preços vão certamente aumentar ligeiramente, mas não para níveis alarmantes de uma década atrás’’, afirmou.
Outro desafio, disse, é que a maioria dos analistas prevê um duradouro enfraquecimento do dólar. E a moeda americana em baixa normalmente provoca altas das cotações das commodities. Assim, lembrou, a pressão sobre preços internos, com riscos inflacionários, já começou a provocar restrições a exportações.
A Argentina é um exemplo. O país suspendeu até o início de março seus embarques de milho e se juntou a países como a Rússia, que limitou as exportações de trigo em 2021, e a Indonésia, que freou as vendas de óleo de palma e causou forte aumento da commodity no mercado.
Mas Abbassian notou que, pelo menos até agora, as medidas da Argentina e da Rússia não têm tido impacto relevante nos mercados domésticos ou global. No caso do milho, ele considera que EUA e Ucrânia podem facilmente cobrir o espaço deixado pela Argentina – inclusive no Vietnã, um dos países que mais sofrem com a restrição argentina.
“Essa política de restrição na Argentina não tem impacto no mercado interno. Os produtores têm milho, mas não vendem por causa do preço depreciado. E seguram o produto como hedge contra o peso”, disse. Quanto à Rússia, o impacto da restrição atinge um volume 3 milhões de toneladas de trigo, que poderá ser compensado por fornecedores como a Austrália, que terá uma enorme colheita este ano.
Abbassian também realçou que, embora a China tenha voltado a crescer rapidamente, esse não é o caso da maioria das nações em desenvolvimento. Assim, há muitos alimentos à venda no mercado internacional, mas falta dinheiro em vários países para comprá-los.
“Normalmente, isso não termina bem’’, afirmou Abbassian, lembrando dos protestos no passado no Norte da Africa. “Não devemos ser surpreendidos por uma reação dos mais vulneráveis. O povo quer alimentos e também quer ver uma luz no fim do túnel’’.
O banco suíço UBS, em nota enviada a clientes, calcula que condições meteorológicas adversas e preocupações com a segurança alimentar elevaram os preços entre 14% e 19% no ano passado. Em novembro, o índice de preços de alimentos da FAO atingiu alta de 6,5%, a maior desde julho de 2012.
Para o UBS, o mercado continuará pressionado neste primeiro semestre. O La Nina poderá causar um certo impacto negativos sobre as ofertas. E os preços elevados dos grãos na China e na América do Sul poderão resultar em alta das carnes. Segundo o banco, as importações de grãos da China continuarão em alta, para complementar estoques de rações, bem como as compras de carne suína do país.