Apesar de usar como justificativa a segurança alimentar de famílias de baixa renda, o projeto “Carne no Prato“ já começou a gerar questionamentos quanto à sua viabilidade e o favorecimento à um setor da economia.
A ideia é que um voucher de R$ 35 seja concedido mensalmente a famílias cadastradas no Cadúnico (Cadastro Único dos Programas Sociais), como forma de aquecer a pecuária, prejudicada pela queda no consumo.
O presidente da Acrissul e um dos pecuaristas proponentes do programa, Guilherme Bumlai, disse ao Campo Grande News que agora aguardam o posicionamento de outros ministérios federais para dar continuidade às discussões.
Segundo ele, o projeto, que estava guardado em segredo até agora, surgiu como resposta à queda no consumo e no preço da arroba do boi. Mas uma das questões levantadas é que outras fontes de proteína deveriam ser inseridas, já que a questão é melhorar a qualidade nutricional dos alimentos.
“Nós, da pecuária, visualizamos esse programa para proteína vermelha. Agora, se o governo decidir estender isso para outras proteínas, não cabe a nós nos opormos. No entanto, defendemos a importância da carne bovina, devido à queda do consumo per capita ao longo dos últimos anos. Acredito que também é uma questão de apoio à pecuária, que deve ser considerada”, defende Bumlai.
Inicialmente, apenas as famílias inscritas no CadÚnico teriam acesso aos vouchers. Segundo o relatório do MDS (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome), em fevereiro de 2024, há um total de 41,6 milhões de famílias cadastradas. Ou seja, para atender a todas essas famílias com o “vale carne” de R$ 35, o Governo Federal terá que arcar com uma média de R$ 1,4 bilhão de reais.
Quanto à fiscalização do consumo, Bumlai defende que o programa tenha um cartão que poderia ser utilizado em açougues ou supermercados conveniados. “A ideia é parecida com o vale farmácia. No entanto, isso vai depender da equipe técnica validar. Talvez surjam outras ideias para fiscalizar se há um gasto com proteína”.
O presidente da Acrissul afirma que o valor de R$ 35 surgiu após estudos da associação de pecuaristas. “O mercado acaba variando os preços, ele não é estático. No entanto, fizemos essas contas e chegamos a esse número, de 2 quilos de carne por mês, para cada família. Entendemos que com R$ 35 reais será suficiente para isso”, revela Bumlai.
A proposta foi elaborada pelos pecuaristas de Mato Grosso do Sul e entregue em setembro do ano passado ao ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira. Nesta quarta-feira (6), o ministro informou que encaminhou a proposta para análise da Casa Civil e do MDS.
Conforme noticiado anteriormente, a Acrissul (Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul) havia apontado que em 2023 as vendas de carne bovina caíram ao menor nível de 20 anos. “O Brasil atingiu 24,2 quilogramas (kg) por habitante, o menor nível desde 2004. Segundo relatório divulgado pela Agência Brasil, foi o quarto ano seguido de queda no consumo por habitante”, garante a entidade em nota.
Na justificativa da associação, o apoio do Governo Federal poderia colaborar com toda a cadeia produtiva e com o Estado, melhorando a produção, criando emprego na indústria e aumentando a arrecadação
“Numa contabilidade simples, isso geraria demanda de 2.350 milhões de cabeças de gado por ano, ou seja, 8% dos animais atualmente abatidos no período no Brasil. A nova demanda com o programa seria de 475 mil toneladas de carne bovina por ano. No ano passado, o Mato Grosso do Sul exportou 174 mil toneladas. A nova demanda representa duas vezes e meia a quantidade exportada pelo MS em um ano”, sustenta a Acrissul.
Entretanto, em entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo, o economista e ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Marcelo Neri, argumenta que limitar o incentivo ao consumo de carne vermelha pode restringir a variedade de alimentos no prato dos brasileiros.
“Se fosse um vale alimentação, a pessoa poderia selecionar entre vários alimentos. No caso desse vale picanha, você está limitando a escolha. Do ponto de vista dos consumidores, não faz muito sentido. Ele é bom para os produtores de carne, então a gente entende por que eles estão propondo. Mas, do ponto de vista dos consumidores e da gestão pública, não acho que faça muito sentido limitar a escolha”, explica Marcelo Neri.
Além dos impactos ambientais envolvidos na criação de gado, Marcelo também destaca que a possibilidade de outras proteínas, como frango ou soja, serem soluções mais custo efetivas. “Não me parece que carne (vermelha) seja uma prioridade do ponto de vista da segurança alimentar. Carne de frango ou mesmo proteína de soja podem ser soluções mais custo efetivas”.
Questionado sobre a viabilidade do programa e se haveria a possibilidade de abrir espaço para outras fontes de proteína, o presidente da Acrissul reforça que a ideia inicial é focada na carne vermelha, mas que a decisão final será do Governo Federal.