Em 26 de fevereiro, a Secretária do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), Brooke Rollins, divulgou uma estratégia de cinco frentes e um investimento de US$ 1 bilhão para combater a gripe aviária e reduzir o aumento de preços dos ovos.
As novas medidas se concentram principalmente em corrigir lacunas de biossegurança nas granjas e fazendas, bem como pressionar por uma nova vacina avícola. O plano proposto marca um afastamento dos métodos atuais de tratamento de aves infectadas, centradosna “eliminação radical” — em que os avicultores “despovoam” ou eliminam rebanhos inteiros.
A Sentient falou com vários especialistas, todos céticos quanto ao abandono da estratégia de despovoamento, método de longa data adotado pelo USDA, devido, especialmente, à alta capacidade de mutação do vírus. Esses especialistas dizem estar animados com a atenção e os investimentos agora dedicados aos surtos em andamento, mas lamentam a falta de detalhes concretos sobre a estratégia anunciada.
Meghan Davis , professora associada da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health, afirma ser encorajador ver investimentos em larga escala indo para pesquisa e medidas de biossegurança, mas afirma que gostaria de ver maior clareza sobre quais são, de fato, as estratégias previstas e se elas vão substituir o despovoamento.
“As políticas de eliminação estão em vigor há bom tempo. São várias as razões para existirem e uma delas é a questão do bem-estar animal –– as aves ficam muito doentes… e raramente se recuperam”, comenta Davis, acrescentando que “precisamos, de verdade, avaliar cuidadosamente as maneiras de limitar a amplificação adicional de um surto e monitorar se as novas estratégias estão funcionando ou não”.
A mudança acontece em um momento caótico na resposta à gripe aviária. Em decorrência da tentativa de Elon Musk de enxugamento dos gastos federais, vários trabalhadores-chave da Influenza Aviária foram demitidos pelo USDA, e o Departamento agora está lutando para recontratá-los.
Demissões em massa de pesquisadores e o congelamento da comunicação em várias disciplinas científicas reduziram a confiança dos especialistas. Eles temem que os EUA já estejam atrasados em sua resposta à gripe aviária.
Somente nos últimos 30 dias, e até 3 de março, o vírus infectou 107 rebanhos, afetando 12,7 milhões de aves, de acordo com o USDA. Até agora, 70 pessoas foram infectadas, e uma pessoa morreu de gripe aviária nos EUA.
Dada a natureza imprevisível do vírus e sua disseminação também em gatos, porcos e vacas, há preocupação de uma pandemia se ocorrer transmissão de humano para humano.
Medidas de biossegurança
A maior parte do investimento de US$ 1 bilhão irá reforçar medidas de biossegurança já existentes — como aumentar os protocolos para proteção contra a disseminação de doenças originárias da vida selvagem — sem nenhum custo para os criadores. Esses aspectos do plano podem ser desafiadores, dado que o Animal and Plant Health Inspection Service (APHIS), a agência que realiza inspeções sanitárias na área animal, perdeu cerca de 400 trabalhadores em meio às demissões federais de Musk .
O reforço nas medidas de biossegurança está focado no risco apresentado por aves aquáticas e outras aves selvagens, as maiores disseminadoras do vírus, por meio de seus excrementos ou do contato direto com animais de produção. O que torna a gripe aviária extremamente difícil de controlar é sua fácil disseminação entre animais selvagens e de produção. Mas agora as pesquisas apontam a existência de um outro fator de disseminação: as correntes de vento.
O plano [da Secretária] Rollins não fornece detalhes concretos sobre quais são exatamente as novas estratégias de biossegurança, mas os protocolos típicos devem incluir áreas de desinfecção de veículos e equipamentos de proteção para os trabalhadores, atualmente a população mais vulnerável à disseminação da gripe aviária.
Questionado acerca de mais detalhes sobre o novo plano, um porta-voz do USDA cita princípios de um conjunto de protocolos de biossegurança estabelecidos em 2016 como parte do Plano Nacional de Melhoramento Avícola e acrescenta que as medidas se concentrarão nas lacunas de biossegurança:
“Isso inclui tanto a biossegurança estrutural (padrões adotados na construção e manutenção de aviários, currais e outras instalações), quanto a biossegurança operacional (práticas, procedimentos e políticas que os proprietários e trabalhadores devem adotar de forma contínua)”.
Em comentário no Wall Street Journal, a Secretária Rollins observa que dos 150 locais que seguiram os protocolos de biossegurança recomendados, apenas um foi posteriormente afetado pela gripe aviária. O diretor do National Economic Council, Kevin Hassett, disse estar preparando, junto com Rollins, um plano de “perímetro inteligente” que evitaria o despovoamento.
Perímetro inteligente é, essencialmente, um termo chique para monitorar o risco na área ao redor da propriedade, neste caso voltado para a migração de pássaros selvagens. Imagine uma granja como um alvo e então trace um circulo com raio de 10 quilômetros ao redor dela — esse é, mais ou menos, o tamanho de um perímetro de risco para a gripe aviária.
“É uma maneira bem grosseira de avaliar o risco”, afirma Maurice Pitesky, professor associado e especialista em modelagem de doenças avícolas na Escola de Medicina Veterinária da Universidade de Davis, na Califórnia. “Traçar círculos de 10 quilômetros nos lugares onde ocorre um surto nada tem a ver com os movimentos de aves selvagens na região”.
O que funciona melhor, de acordo com Pitesky, é rastrear com precisão a corrente migratória das aves selvagens e avaliar holisticamente os diferentes fatores — como vento ou temperatura — capazes de levar os pássaros para esse raio.
Pitesky desenvolveu uma tecnologia que auxilia a rastrear a posição das aves aquáticas em relação às aves comerciais, o que, segundo ele, é altamente aplicável a granjas historicamente sob maior desafio. Por enquanto, no entanto, parece que o USDA não está incorporando isso em seu trabalho de perímetro inteligente, ele diz.
Mesmo que, falando de forma geral, o fortalecimento da biossegurança seja essencial para combater a disseminação do vírus, ela por si só pode não ser a salvação que todos esperam.
“Acho muito ilusório acreditar que isso vai mudar o jogo e que os avicultores não terão que sacrificar aves não doentes… a emenda pode ser pior, pois, se você não for agressivo com o despovoamento, potencializa a criação de reservatórios do vírus, que podem, eventualmente, causar ainda maior disseminação da doença”, disse Pitesky à Sentient.
Vacinação em vez de despovoamento?
O USDA deu aprovação condicional a uma vacina Zoetis H5N2 para galinhas, mas ainda não deu sinal verde para a vacinação de lotes comerciais de aves contra a gripe aviária. Alguns podem se surpreender ao saber que Rollins se comprometeu a investir US$ 100 milhões em pesquisa e desenvolvimento de tais vacinas, dados os sentimentos antivacinas de indicados por Trump, como Robert F. Kennedy Jr.
Grupos da indústria manifestaram seu apoio, aplaudindo o novo plano do USDA e expressando entusiasmo pela vacinação. No entanto, há razão para o USDA hesitar em implementar a vacinação continua: muitos países não aceitam frangos vacinados. Os EUA são o segundo maior exportador de aves e, caso uma vacina seja lançada, o governo federal teria que negociar acordos com seus parceiros comerciais.
“Antes de oficializar determinação do gênero, o USDA solicitará feedback de governadores, comissários agrícolas estaduais, veterinários, criadores e do público americano. Na verdade, o USDA começará imediatamente a realizar reuniões quinzenais para receber atualizações e receber suas contribuições”, disse um porta-voz do USDA à Sentient.
Rollins também sugeriu afrouxar “encargos regulatórios desnecessários” sobre os padrões de produção de ovos. Uma das leis mencionadas é a Proposta 12 da Califórnia, que estabeleceu requisitos mínimos de espaço para galinhas poedeiras, e que Rollins diz contribuir para os altos preços dos ovos no estado.
A Proposta 12 – específica para as criações da Califórnia – aumentou, tornando mais rígidos, os padrões de confinamento para alguns animais de produção, exigindo requisitos de espaço específicos para criações como as de suínos e de poedeiras.
Em um esforço para aumentar o fornecimento de ovos, o estado de Nevada acaba de permitir a suspensão de seus padrões “sem gaiolas” – embora muitos especialistas afirmem que a abordagem é totalmente equivocada.
Aumentar ainda mais a criação doméstica de poedeiras também tem sido sugerido. No entanto, essas galinhas correm o mesmo risco de interagir com aves aquáticas infectantes, fato comprovado pelas 51 criações de fundo de quintal que contraíram gripe aviária nos últimos 30 dias.
Observando e esperando
Tanto Pitesky quanto Davis gostariam de ver uma gama maior de especialistas mobilizados para conter a disseminação a longo prazo — aqui inclusos especialistas em comportamento animal (para tornar as granjas menos atrativas para aves selvagens) e especialistas em saúde pública ambiental.
Já estamos atrasados em relação a outros países que têm equipes colaborativas de especialistas do tipo “Saúde Única” para avaliar surtos de forma holística, diz Davis. “Não está claro se o USDA, com esse bilhão de dólares, é responsável pelo atual tipo de análise da gripe aviária, mas a tarefa pode se tornar desafiante, dado o corte de recursos para pesquisas que a atual administração entendeu serem não essenciais.
“Investimentos em retalhos não compensarão as enormes perdas da força de trabalho federal representada por pesquisadores-chave nesta área, nem o prejuízo causado pelo isolamento de agências científicas, proibidas de emitir comunicados”, diz Davis.
“Estou profundamente preocupada com a possibilidade de – Deus nos livre – este vírus começar a desenvolver uma cadeia de transmissão de humano para humano, o que é um grande passo para uma pandemia. Eu vou odiar olhar para trás daqui a cinco ou 10 anos e dizer: ‘que pena, o que deveríamos fazer naquela ocasião teria evitado tanta coisa.’”