O Brasil é o maior produtor e exportador mundial de café e açúcar e um dos três maiores de milho e carne. Estes produtos, vindos de outros países, chegarão aqui a preço menor? Há dúvidas.
Sem a presença do presidente Lula e do seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o governo anunciou ontem (6), pela voz do vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, um conjunto de medidas para reduzir o preço dos alimentos. Testemunhando o ato, esteve à mesa o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Sidônio Palmeira.
A principal medida anunciada – que entrará em vigor nos próximos dias – foi a redução a zero da alíquota do Imposto de Importação de 10 produtos, inclusive o óleo de oliva extravirgem, que é consumido pelos segmentos de maior poder aquisitivo da população brasileira.
As medidas provocaram, desde o seu anúncio, reação negativa em vários setores da economia nacional, incluindo a indústria, a agroindústria, a agropecuária e, também, o comércio varejista, que engloba as redes de supermercados, com as quais o governo pretende promover uma campanha de propaganda para revelar em que lojas os preços estão mais baratos.
Essas medidas têm dois objetivos, um econômico – reduzir a inflação, que segue alta — outro de ordem política – aumentar a popularidade do governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, cuja aprovação, segundo o DataFolha, desceu de 35% para 24%, enquanto o índice de reprovação subiu para 41%.
A lista de produtos com Imposto de Importação zerado é a seguinte: carne bovina, café, açúcar, milho, óleo de girassol, azeite de oliva, sardinha, biscoitos, massas alimentícias e óleo de palma.
Eu conversei ontem à noite com vários empresários cearenses e todos eles manifestaram surpresa negativa diante do que foi anunciado. Eles disseram que o governo “pode estar dando um tiro no pé por vários motivos”. Vamos a eles:
O preço do café está caro no Brasil e mais caro ainda no mercado internacional por um motivo: falta café no mundo todo, porque sua produção caiu vertiginosamente por causas climáticas. Exemplo: no Vietnã – terceiro grande produtor mundial atrás do Brasil, que é o maior, e da Colômbia – uma seca arrasou os cafezais. Tem mais: o café é uma commodity, cujo preço internacional é estabelecido na Bolsa de Mercadorias de Chicago. Resumindo: o Brasil importará café barato de onde?
A quem interessa reduzir a zero o Imposto de Importação do azeite de oliva extravirgem, um item que só está hoje na boa mesa da população brasileira de mais alta renda? Não tem sentido a inclusão do azeite de oliva nessa lista. Os preços desse produto poderão baixar nos supermercados, mas quem gostará disso serão, exatamente, os consumidores ricos. Ou seja, é uma medida para agradar as classes A e B.
A indústria brasileira de massas e biscoitos, que é a terceira maior do mundo, atrás apenas da China e dos Estados Unidos, opera hoje com capacidade ociosa de 40%. Por quê? Resposta: porque, nos últimos dois anos, disparou no mercado mundial o preço do trigo.
O Brasil ainda não é autossuficiente na produção de trigo, e por isto tem de importar, anualmente, quase 520 mil toneladas do produto. O trigo é outra comodity cujo preço em dólar muda diariamente na mesma Bolsa de Chicago. Em janeiro do ano passado de 2024, o dólar valia R$ 4,90; ontem, ele foi negociado a R$ 5,75, depois de haver chegado à casa dos R$ 6,80.
Há outro motivo ancestral: desde 2018, a produção da indústria brasileira de massas e biscoitos é a mesma – não sobe nem desce, e a culpa é da redução da renda do trabalhador brasileiro.
O importador que decidir trazer da China massas alimentícias, principalmente o macarrão, para o consumo da classe média e dos estratos de baixa renda da população do Brasil, mesmo a um preço barato, terá de suportar um frete marítimo muito caro e, ainda, uma viagem de quase 40 dias entre o embarque num porto chinês e o desembarque em algum porto do Sudeste brasileiro, e depois os custos de logística, incluindo o armazenamento e a distribuição.
A bolacha cream cracker poderá ser importada da Europa, onde seu preço é alto para os padrões brasileiros. Outro tiro no pé.
O Brasil é um dos três maiores produtores mundiais de carne bovina, exportando seu produto para os grandes mercados internacionais, incluindo a China e outros países da Europa. Neste caso específico, o governo está agindo corretamente, porque os grandes frigoríficos nacionais, em vez de privilegiarem o mercado interno brasileiro, preferem, lógica e naturalmente, vender sua carne para o estrangeiro, recebendo em dólar, cuja cotação, vale repetir, segue nas alturas, perto dos R$ 6. O Imposto de Importação da carne é hoje de 10,8%, mas será reduzido a zero.
O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de milho, com uma produção de 122 milhões de toneladas/ano, superado apenas pelos Estados Unidos, que produzem 389 milhões de toneladas/ano, e pela China, cuja produção é de 288 milhões de toneladas anuais.
Falemos do milho, que é matéria-prima para a fabricação de ração que alimenta os rebanhos bovino, bubalino, suíno, caprino e toda a avicultura do Brasil. Como o dólar está apreciado, a maior parte da produção brasileira de milho é exportada para o mercado externo, estando, pois, acertada a decisão do governo de, para incentivar a concorrência, abaixar a alíquota do Imposto de Importação incidente sobre o milho, que hoje é de 7,2%. Aí surge a pergunta: o milho importado chegará aqui com preço mais barato do que o produto brasileiro? O tempo dirá.
O governo também zerou a alíquota do Imposto de Importação do açúcar, cujo maior produtor e exportador mundial é o Brasil. Trata-se de outra commodity. O açúcar a ser importado chegará aqui mais barato? – é a óbvia pergunta, levando em conta os mesmos argumentos.
Aqui no Brasil – o Ceará no meio – está caro o preço da sardinha, alimento alternativo muito consumido pela população brasileira de mais baixa renda. A produção brasileira de sardinha – 90% da qual estão concentrados em Santa Catarina, onde reina a empresa Gomes da Costa – é de 90 mil toneladas/ano, insuficiente para atender o mercado interno, que consome 120 mil toneladas anuais. Zerar o Imposto de Importação é, no caso da sardinha, outra decisão correta do governo. Mas, neste caso, deverá ser a própria Gomes da Costa a importadora do que falta para atender a demanda interna. O preço da sardinha baixará?
Os empresários com os quais esta coluna conversou ontem à noite lembraram que, além do problema do câmbio, há o do crédito que também está muito caro por causa dos juros elevados, os quais subirão mais ainda – pelo menos 0,75% — na próxima reunião do Copom.
Os mesmos empresários levantaram uma hipótese: ao decidir zerar o Imposto de Importação dos 10 produtos acima citados – incentivando uma concorrência que poderá, ou não, ser acirrada – o governo não colocará em risco grandes empresas nacionais empregadoras intensivas de mão de obra? Com exceção da indústria aeronáutica, os demais setores industriais do país operam aquém de sua capacidade instalada. No caso da indústria de massas e biscoitos, isto é absolutamente verdadeiro.
Os mesmos empresários, ao concluírem suas análises, fizeram um comentário:
“Vamos ver amanhã (sexta-feira, 7 – hoje) como abrirá a Bolsa de Valores, a Bovespa. É por meio dela que os investidores manifestarão seu contentamento ou descontentamento com as medidas do governo ontem anunciadas. Veremos como se comportarão as ações das empresas que, diretamente, serão afetadas por essas medidas” – disseram eles.