Evento destacou diversidade dos biomas, apresentou propostas e reforçou papel do setor na agenda climática.
Em um movimento inédito de mobilização, pecuaristas de diferentes regiões do Brasil assumiram publicamente compromissos pela sustentabilidade durante o encontro “Vozes da Pecuária”, realizado nesta quarta-feira (24), no IICA – Instituto Interamericano de Cooperación para la Agricultura, em Brasília. O evento, organizado pela iniciativa Pecuária Tropical pelo Clima, reuniu produtores da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal para apresentar histórias reais, desafios e soluções da pecuária tropical. Foi realizada a entrega de uma Carta Aberta e um “Chamado à Ação” à sociedade brasileira e à comunidade internacional, documentos produzidos pelo consenso entre os pares do setor.
O encontro marcou um momento de protagonismo dos produtores, que subiram ao palco para relatar experiências e defender uma agenda de baixo carbono, inclusão social e transparência, em um ano em que o Brasil se prepara para sediar a COP30. “A pecuária tropical brasileira é diversa, resiliente e parte da solução climática. Precisamos ser reconhecidos por isso”, afirmou Carmen Bruder, pecuarista no cerrado, ao apresentar a Carta Aberta.
Compromissos e chamado à ação
Na Carta, os pecuaristas se comprometem a promover uma pecuária sustentável, combater o desmatamento ilegal, fortalecer a economia local e ampliar a rastreabilidade da produção. Também assumem a meta de elevar a eficiência produtiva com responsabilidade climática e de resgatar o direito de contar a própria história, combatendo a desinformação que atinge o setor.
O texto reconhece desafios como insegurança jurídica, infraestrutura precária e barreiras comerciais impostas por mercados internacionais. Os produtores pedem políticas públicas que respeitem as particularidades da pecuária tropical, além de métricas próprias para mensurar sua contribuição ambiental. “Queremos sistemas produtivos de baixo carbono, uso inteligente da terra e reconhecimento das soluções que já nascem no campo”, diz a Carta.
Incentivos e rastreabilidade
Também foi apresentado um “Chamado a Ação”, no qual o pecuarista do Pantanal e pesquisador, Ubarno de Abreu, ao ler, reforçou a necessidade de incentivos para quem preserva e mantém florestas em pé. “É preciso criar mecanismos econômicos, como pagamentos por serviços ambientais e acesso ao mercado de carbono, para valorizar quem cumpre a lei”, defendeu. O documento também destacou a importância da segurança jurídica para quem produz legalmente.
Abreu chamou ainda atenção para a importância da defesa institucional da reputação do agro, com campanhas de comunicação e investimento contínuo em ciência e inovação. “A nova pecuária já está em curso e será mais forte com governo, mercado e campo caminhando juntos”, relatou ao ler o documento.
Sustentabilidade e competitividade
Durante o evento, líderes do setor e autoridades presentes reforçaram o papel estratégico da pecuária tropical. Cacau Guardieri, gerente de campanha da Morada Comum, destacou a importância da Pecuária Tropical pelo Clima, um movimento de pecuaristas soberanos em suas decisões e caminhos. “Homens e mulheres presentes neste evento são boiadeiros e boiadeiras de suas próprias histórias. Cada um deles representa coragem, dedicação e amor pelo campo. Foi ali que aprendi uma lição fundamental: o manejo mais importante da vida é o humano — são as pessoas que fazem a diferença.”
Ao contar suas histórias, os pecuaristas retrataram as motivações do passado, reconhecimento da diversidade e também o que esperam para o futuro do segmento.
“Ao lado dos pioneiros havia um companheiro inseparável: o boi. Porque ele era a única mercadoria que não precisava de estrada para chegar ao destino. Dela nasceu a prosperidade.”, Raul Almeida Morais Neto – Bioma Cerrado
“A mulher na pecuária não é coadjuvante, ela é protagonista. Traz ciência, estratégia, paixão e um olhar singular para as pessoas e para a natureza.”, Ida Beatriz – Bioma Pantanal
“O que nos une é um pioneiro presente em cada um de nós. Cada família aqui carrega no sangue a coragem daquele que abandonou o lar, entrou sertão adentro movido pelo desejo de levar prosperidade. Nossa gente fez uma revolução verde do País para a segurança alimentar”, Leonardo Leite de Barros – Bioma Pantanal
“Antes de aprender a lidar com gado, a primeira coisa que um pecuarista precisa aprender é depositar fé na terra — porque com conhecimento, a terra vai nos responder.”, Mauro Lúcio Costa – Bioma Amazônia
“Brasília é o lugar ideal para essa discussão. Aqui conseguimos reunir pecuaristas de todos os biomas, que trazem experiências, boas práticas e exemplos de preservação.”, Marcelo Bertone – Representa o Mato Grosso do Sul e presidente da Famasul.
Durante o encontro, rodas de conversa reuniram produtores e representantes da sociedade civil para debater práticas sustentáveis nos três biomas representados. Os relatos mostraram que, por trás da carne brasileira, há pessoas com nome, rosto e história, comprometidas em produzir alimentos de forma responsável e em larga escala.
Apresentação Unapec
Guilherme Bumlai, presidente da União Nacional da Pecuária (UNAPEC), ressaltou a representatividade da entidade recém-criada. “A UNAPEC reúne representantes da pecuária de oito estados, que juntos representam cerca de 140 milhões de cabeças de gado, equivalentes a 60% do rebanho nacional. O Brasil exporta carne bovina para mais de 150 países e, com isso, vem uma grande responsabilidade: entregar uma carne sustentável. O trabalho sério da imensa maioria dos pecuaristas precisa ser reconhecido e valorizado. O papel da UNAPEC é dar voz, organizar e fortalecer a narrativa da pecuária tropical, mostrando que se trata de uma atividade moderna, sustentável e essencial para o Brasil e para o mundo.”
Gedeão Pereira, vice-presidente da CNA, lembrou a trajetória do setor e o potencial do Brasil no mercado internacional. “Quando cheguei aqui, pensei: ‘O que estou fazendo neste evento, se sou do Pampa?’ Mas é justamente do Pampa que trago minha história. Desde jovem, vivi todas as etapas da atividade: vaqueiro, pecuarista, sojeiro, milheiro. Hoje, o Brasil é referência em qualidade e competitividade no agro. Nós, produtores, escrevemos uma epopeia que ainda não está registrada nos livros. Somos responsáveis por garantir a soberania alimentar do país, integrar regiões remotas e transformar o Brasil em uma potência global no agro.”
Augusto Nardes, ministro do Tribunal de Contas da União e ex-deputado federal, destacou o papel transformador da pecuária. “O que faz este país funcionar é o trabalho que começa ‘porteira para dentro’, com esforço, coragem e determinação. Recebemos recentemente um grupo de 200 famílias no Piauí, que começou produzindo 50 mil hectares e hoje alcança 2 milhões de hectares. Esse movimento mostra a importância de fortalecer iniciativas como a fundação desta reunião de pecuaristas, trabalhando junto à CNA e às nossas estruturas representativas. A pecuária tropical pelo clima é um exemplo de modernidade e sustentabilidade, integrando produção e preservação ambiental.”
Aldo Rebelo, ex-ministro e ex-deputado (MDB), da Fundação Ulysses Guimarães, reforçou a importância social e cultural da atividade. “Por que precisamos homenagear e reconhecer o papel da pecuária no Brasil? Em primeiro lugar, por sua importância social. A atividade garante acesso a alimentos de qualidade a preços acessíveis. Precisamos valorizar não apenas a produção, mas também a cultura que a pecuária ajuda a sustentar: literatura, música e culinária. Hoje celebramos uma atividade essencial para o Brasil e para o mundo, que garante alimento, cultura e desenvolvimento.”
Repercussão
A mobilização em Brasília é vista como um passo estratégico para fortalecer a imagem da pecuária tropical brasileira no mercado global. Ao apresentar compromissos claros e mensuráveis, os produtores buscam abrir diálogo com governos e compradores internacionais, ampliando a competitividade da carne nacional em um cenário de exigências ambientais cada vez mais rigorosas.
“Estamos prontos para liderar a transição para uma economia de baixo carbono. Mas precisamos de políticas públicas justas e reconhecimento internacional”, resume a Carta Aberta, que encerra com um convite: “Juntos, podemos construir um futuro mais justo, sustentável e próspero para todos”.