Catástrofes climáticas ocorridas entre 1991 e 2021 geraram perdas de US$ 3,8 trilhões, ou mais de R$ 19 trilhões, ao setor agropecuário em todo o mundo, de acordo com recente estudo da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). O prejuízo médio anual de US$ 123 milhões corresponde a 5% do PIB agrícola mundial por ano.
Nos 30 anos analisados, o mundo perdeu anualmente, em média, 69 milhões de toneladas de cereais, 40 milhões de toneladas de frutas e legumes e 16 milhões de toneladas de carne, produtos lácteos e ovos. Esta foi a primeira estimativa da FAO sobre as perdas no campo em decorrência do clima. O estudo também considerou o impacto de crises sanitárias e guerras no fluxo de colheitas e acesso aos alimentos, e não houve uma estratificação das perdas por país.
“Os desastres recorrentes têm o potencial de minar os ganhos na segurança alimentar e minar a sustentabilidade dos sistemas agroalimentares”, alertou o diretor-geral da FAO, Qu Dongyu, no prefácio do relatório. Nos países mais pobres, as perdas relativas são mais elevadas, com impacto de até 15% de seus PIBs agrícolas totais.
A ocorrência desses eventos extremos com impacto na produção agropecuária saltou de 100 por ano na década de 1970 para 400 nos últimos 20 anos, aponta o estudo. O aumento se deve, principalmente, às mudanças climáticas. “Não só os eventos de catástrofe estão a aumentar em frequência, intensidade e complexidade, como também se prevê que o seu impacto piore, à medida que os desastres induzidos pelo clima amplificam as vulnerabilidades sociais e ecológicas existentes”, diz o relatório.
Necessidade de mudança
Os números comprovam a realidade incômoda, de eventos cada vez mais frequentes e impactantes, que têm retirado bilhões do setor agropecuário brasileiro e reforçado a necessidade de intensificar a transição de modelos de produção para mitigação de emissões e adaptação às mudanças do clima.
No Brasil, estiagens consecutivas geraram quebras de safras de grãos no Sul. Geadas afetaram a produção de café em São Paulo e Minas Gerais. Animais morreram de frio em Mato Grosso do Sul. Ciclones e enchentes destruíram cidades, mataram pessoas e abalaram os sonhos de produtores rurais gaúchos. Episódios parecidos se repetiram em Santa Catarina e no Paraná no mês passado. A seca histórica no Norte mudou o cenário do Amazonas, esvaziou rios e tirou o sustento de pescadores. No Centro-Oeste é o calor que assusta e já atrasa trabalhos de campo, como o plantio de soja. Isso tudo no intervalo de poucos meses.
— Qu Dongyu
Segundo a Confederação Nacional de Municípios (CNM), as perdas na agropecuária de janeiro a setembro chegaram a R$ 33,7 bilhões. A cifra não considera os prejuízos a produtores catarinenses e paranaenses. Somados os danos em países vizinhos, como a seca na tríplice fronteira no Rio Grande do Sul com Argentina e Uruguai, o total chega a US$ 11,3 bilhões, calcula a consultoria AON.
Perdas previstas
Eduardo Assad, pesquisador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), disse que as alterações no clima e as perdas no setor agropecuário brasileiro eram “absolutamente previstas” e que seus impactos poderiam ter sido evitados ou reduzidos com a aplicação de boas práticas de produção e de medidas preventivas. E essa continua sendo a orientação para enfrentar a questão daqui para a frente, reforçou ele, já que o aumento de 2ºC da temperatura do planeta até 2050 na comparação com o período pré-industrial é quase certo.
Práticas já existentes, como o plantio direto, o uso de plantas de cobertura e a rotação de culturas, podem ajudar, disse Assad. Na pecuária, a indicação é a recuperação de pastos e a redução da idade de abate animal. A sombra gerada pela floresta em sistemas integrados à pastagem reduz em até 10º C a temperatura para o gado, por exemplo, auxilia no bem-estar e evita perda de peso.
“A primeira solução é parar de emitir, parar o desmatamento”, repetiu Assad. “As mudanças climáticas estão vindo para valer mesmo, com extremos de chuvas e temperaturas. É preciso intensificar as técnicas de manejo de solo e água, de adaptação e mitigação. Plantem árvores”, indicou.
Práticas sustentáveis
É o que Sérgio Lange e um grupo de cafeicultores de Divinolândia (SP) começaram a fazer há dois anos. Além da arborização próxima aos cafezais, eles iniciaram o plantio de plantas de cobertura, aplicaram manejos para melhorar a microbiologia do solo e estão introduzindo o uso de insumos biológicos para a produção do café.
A mais de mil metros de altitude, as altas temperaturas – de até 36ºC – são o principal efeito sentido até agora pelos produtores. O tempo quente contribui para maior ocorrência de pragas e doenças, o que resulta em mais custos com manejo e aplicações, diz Lange, presidente do Sindicato Rural do município, que produz 170 mil sacas de café por safra.
“Estamos nos adaptando às mudanças climáticas. Adaptação é plantar árvore que ajuda a diminuir temperatura, a lavoura com arborização tem um clima totalmente diferente. Cai a temperatura, o café quase não tem pragas. É um modelo a ser replicado”, contou. “E mitigação é abdicar de produtos que emitem gases de efeito estufa. Os produtores que estão mais adiantados já estão vendo bastante resultados”, completou.
O pesquisador Eduardo Assad diz que as altas temperaturas preocupam pela possibilidade de déficit hídrico para as plantas em momentos cruciais. Na prática, falta água no solo. “As plantas bebem água de golinho em golinho. Quando aumenta o calor, secam o copo de uma vez. E aí há a deficiência hídrica e pode ter a perda de produtividade”, explicou.
Segundo ele, o período chuvoso no país já diminuiu em três semanas e deixou as janelas de plantio mais apertadas. “É preferível se prevenir, se adaptar a essa situação que não é nova, mas está ficando muito intensa”, alertou.
O cafeicultor paulista Sérgio Lange, no entanto, disse que os pequenos produtores ainda têm dificuldade de acessar essas informações e ter o conhecimento necessário para mudar seus sistemas produtivos. A carência evidencia a necessidade de assistência técnica, extensão rural e capacitação para disseminar as práticas resilientes por todo o país.
A FAO destaca no seu relatório a necessidade de apoiar a adoção de boas práticas de redução de risco de catástrofes para evitar perdas aos pequenos produtores e aumentar a resiliência dos seus sistemas produtivos. O investimento nessas técnicas pode resultar em um desempenho no campo, em média, 2,2 vezes melhor do que antes, diz o relatório. O documento aponta ainda que cada dólar investido em ações antecipadas pode gerar US$ 7 para as famílias rurais em benefícios e perdas evitadas.