Em alta desde o início do ano passado, a ponto de gerar protestos da população e acender o sinal de alerta no governo, os preços dos alimentos seguem em geral firmes no mercado interno. E, no que depender de produtos de exportação como grãos, açúcar e café, poderão pressionar ainda mais o custo de vida dos brasileiros nos próximos meses.
“Os preços agrícolas não vão cair”, resume Fabio Silveira, sócio-diretor da MacroSector Consultores. Ele afirma que, além de a demanda internacional continuar aquecida apesar das turbulências econômicas geradas pela pandemia, as cotações em dólar também têm sido sustentadas pelo bom humor dos mercados em relação às commodities, o que maximiza altas nas bolsas de Chicago e Nova York, por exemplo.
Segundo Silveira, também colabora para aumentos nas gôndolas do Brasil o câmbio favorável às exportações, uma vez que o país lidera os embarques mundiais de soja, açúcar e café e também se destaca em milho e carnes, entre outros itens agropecuários. “Essa pressão altista exercida pelos preços agrícolas deverá dar o tom o ano todo, mesmo que arrefeça um pouco no segundo semestre”, diz.
Em setembro, quando o pacote de 5 quilos do arroz se aproximava de R$ 40 no varejo – quase 80% mais que em janeiro -, o governo zerou a Tarifa Externa Comum (TEC) para importação do cereal de países de fora do Mercosul e, paralelamente, reforçou o discurso de que o pico era passageiro. Com mais uma safra recorde de grãos que começara a ser plantada, prometia-se em Brasília, não só o arroz, mas também soja e milho, ficariam mais baratos.
Cotas de importação de soja e milho sem TEC também foram anunciadas e, com isso, era só esperar para ver. Com as colheitas, de fato o arroz caiu de forma expressiva – mas ainda para um patamar elevado. E, nos casos de soja e milho, as baixas aliviaram pouco os preços de óleos vegetais, carnes e ovos ao consumidor final. Importador de trigo, o Brasil também sofre com os efeitos da alta do cereal sobre pães, massas e biscoitos.
Assim, em janeiro, o grupo alimentação subiu 1,02% no IPCA, calculado pelo IBGE, e acumulou um avanço de 14,81% em 12 meses. No mês, o arroz teve alta de 0,24% (74,14% em 12 meses), e aves e ovos, de 0,69% (12,93% em 12 meses). O óleo de soja caiu 1,08% em janeiro, mas ainda acumulou aumento de 96,2% em 12 meses.
Mesmo levando-se em conta que há produtos que estão mais baratos – e que os que começaram a ceder até poderão recuar mais com o aumento da oferta -, o fato é que comer está caro. Com o fim do auxílio emergencial do governo – foram pagas quatro parcelas mensais de R$ 600 e quatro de R$ 300 em 2020 -, para muitas famílias, o que era suportável talvez não seja mais.
Esse contexto estimula discussões no Congresso em torno de uma nova rodada de auxílio, agora com parcelas variáveis de R$ 150 a R$ 375. O setor de alimentos e o varejo torcem por isso, mas Silveira diz que o problema não será de todo resolvido.
“Os alimentos tendem a ganhar peso no orçamento das famílias que ainda estão no mercado. E muitas já não estão”, diz o economista. Ele é contrário a intervenções do governo nos mercados agrícolas com a adoção medidas como a restrição de exportações. Assim, não vê muita saída. A substituição de itens mais caros por mais baratos na mesa dos consumidores deverá ganhar força.
Com potencial para erodir a popularidade do presidente Jair Bolsonaro, já sob ataque por causa dos problemas causados pela covid-19, os preços dos alimentos estão sendo monitorados de perto pelo Ministério da Agricultura. Mas a Pasta comandada por Tereza Cristina também não tem balas de prata contra as altas e repete o discurso apaziguador do ano passado.
“O melhor remédio para preços altos é preços altos”, afirmou o diretor de Comercialização e Abastecimento do ministério, Silvio Farnese, ao Valor. Ele quer dizer que preços altos estimulam a produção, e que o crescimento da oferta normalmente leva a quedas de preços. Não há qualquer intenção do governo em voltar a investir em estocagem, como no passado, mas a facilitação de importações continua no radar.
Essa alternativa não anima Silveira. Ele lembra que os preços de alimentos em dólar estão elevados – em fevereiro, o indicador da FAO que mede as oscilações de cereais, óleos vegetais, carnes, lácteos e açúcar alcançou o maior patamar desde julho de 2014. Além disso, para os produtos mais negociados no mercado internacional, referenciados nas bolsas americanas, o aumento dos aportes dos investidores em commodities ajuda a inflacioná-los. Na bolsa de Chicago, os contratos futuros da soja acumulam alta de 55% em 12 meses, e os do milho, 40%.
“A base monetária está subindo nos Estados Unidos, onde o governo ampliou o apoio a cidadãos e empresas, e os efeitos disso ainda serão sentidos nos preços em dólar das commodities. E há risco de uma nova onda de alta do câmbio no segundo semestre”, afirma o economista.