As exportações do agronegócio brasileiro à China continuam em expansão, e mesmo em momentos em que a economia chinesa cresce menos do que o previsto, como ocorreu no primeiro semestre deste ano, os embarques costumam se manter em rota ascendente. Sean Kidney, fundador e principal executivo da Climate Bonds Initiative, uma das mais importantes organizações não-governamentais de promoção de investimentos sustentáveis, acredita que a força da demanda chinesa tem ofuscado uma rápida transformação nos hábitos de consumo no maior parceiro comercial do Brasil. Essa constatação, argumenta, é um sinal de alerta especialmente para o agro.
“A sustentabilidade é uma preocupação cada vez maior na China, mas a extensão dessa mudança ainda não é uma coisa óbvia para o agronegócio brasileiro”, diz ele. “Há uma demanda incrível por produtos sustentáveis entre os chineses, e ainda não se deu a devida atenção a isso”.
Kidney conversou com o Valor durante uma viagem que fez à Grécia, de onde participará hoje, em transmissão por vídeo, do segundo Diálogo Brasil-China sobre Agricultura Sustentável, organizado pelo Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC). O rápido avanço do consumo “verde” entre os chineses, ressalva, não é um fenômeno de proporções nacionais – trata-se, afinal, do país mais populoso do mundo, com grande desigualdade de renda -, o que não reduz o impacto dessa transformação.
“A sustentabilidade é uma preocupação nas áreas mais ricas, onde moram 300 milhões de pessoas”, diz. “Essas regiões, mais perto da costa, têm um patamar de riqueza similar ao da Europa”.
Como os preços das commodities estão muito acima de suas médias históricas, o agro brasileiro está “ganhando dinheiro como nunca”, afirma Kidney. Mas, para ele, é improvável que essa aparente bonança prossiga indefinidamente.
“O segredo de economias que são bem-sucedidas no longo prazo não é a venda de commodities baratas. Veja o exemplo da Argentina, que era o país mais rico do mundo em 1910. Ao depender de um pico de curto prazo depois do outro (…), você luta para encontrar a prata em um ano, o ouro em outro. Isso não se sustenta”, raciocina ele. “É preciso fazer os investimentos corretos para garantir que a receita vai continuar a entrar na próxima baixa das commodities”.
Professor da SOAS University of London, de estudos sobre Ásia, África e Oriente Médio, ex-consultor do secretário-geral das Nações Unidas para o mercado de bônus verdes e consultor de projetos de finanças sustentáveis em países como China, Índia, México e Cazaquistão, Kidney tem reconhecimento internacional por sua dedicação à sustentabilidade. Ao mesmo tempo, suas manifestações parecem ter um pragmatismo que é caro ao universo financeiro.
Nesse aspecto, ele soa como uma antítese à falta de objetividade das ações de combate à crise climática (ao menos segundo muitos do críticos desses esforços, é claro). “Os Estados Unidos destruíram suas florestas, a Europa também, e o Brasil ainda não. Sim, é injusto que EUA e Europa critiquem [o Brasil nas questões ambientais], mas se há justiça ou não é irrelevante. Isso é bobagem. O meu ponto é: a questão ambiental é uma enorme oportunidade de negócio para o Brasil”, diz.
As oportunidades sobre as quais Kidney faz referência movimentam um mercado que só faz crescer. No ano passado, as emissões de títulos “verdes”, usados para financiar projetos de energia limpa, construção e transporte, ultrapassaram, pela primeira vez, a marca de US$ 500 bilhões – o equivalente a cerca de 50% mercado global dos chamados bônus “sustentáveis”, que somou US$ 1,1 trilhão em 2021, segundo relatório que a Climate Bonds Initiative publicou em abril. Criada em 2009, a organização tem entre seus fundadores a Fundação Rockefeller, a Fundação Gordon and Betty Moore, iniciativa filantrópica de Gordon E. Moore, um dos fundadores da Intel, e de órgãos ligados aos governos de Alemanha, Reino Unido e Suíça.