A suspensão repentina da importação de carne de frango de 11 frigoríficos brasileiros anunciada há um mês pela Arábia Saudita, ainda sem justificativa oficial, pode ser considerado um alerta para o agronegócio ao expor uma das maiores fragilidades do Brasil no mercado internacional: a concentração das exportações em poucos mercados consumidores e a consequente dependência desses países.
“Isso me parece um pouco com o caso da Rússia anos atrás. Eles já vinham sinalizando e, num determinado momento, aconteceu”, relata o consultor de agronegócios do Itaú, César de Castro Alves, ao comparar os planos sauditas com as metas chinesas produção de carne.
“Essa questão do futuro da exportação de frango sem a Arábia Saudita é mais ou menos como o futuro da carne suína sem a China quando eles se recuperarem da febre suína. Não é algo de curto prazo, mas a Arábia Saudita já foi um mercado muito maior pra nós”, lembra Alves.
Destino de 51% das exportações brasileiras de carne suína e de 59% das exportações de carne bovina, a China tem investido na recomposição do seu rebanho de suínos após o avanço da peste suína africana tê-lo reduzido em mais da metade. Em abril, o Ministério da Agricultura local divulgou que 95% do rebanho de matrizes chinês havia sido recuperado até final de fevereiro deste ano, com crescimento de 71% nos abates.
“A China é um país que está investindo muito em conquistar, digamos, segurança alimentar. Não vai ser nunca autossuficiente, mas busca ampliar a segurança alimentar dela com investimentos pesados em inovação”, explica o professor de economia da Unicamp, Marcio Buainain. Ele compara a China dos dias atuais com o Brasil da década de 1980, quando o país ainda era um importador de alimentos.
“Eu sempre lembro que a base do sucesso do agronegócio brasileiro é o Cerrado, que há 30, 40 anos era considerado uma área imprópria para a agricultura. E muitas das limitações que a China enfrenta hoje podem ser removidas com inovação tecnológica”, ressalta o pesquisador ao mencionar, entre outras estratégias chinesas, o investimento em fornecedores alternativos de grãos e outras commodities agrícolas.
“O caso mais evidente são os investimentos na África. Então, esse projeto da Arábia Saudita não é isolado. Ele serve como um aviso para o Brasil projetar o seu futuro”, resume Buainain.
Em entrevista à Revista Globo Rural, o cientista político Guilherme Casarões também destacou o potencial agropecuário africano.
“A Tanzânia e o Quênia, sobretudo a Tanzânia, já vêm se transformando num exportador importante de soja e a China investe há pelo menos 20 anos na África de maneira sistemática. Acho que África está finalmente desabrochando e chegando àquela condição que a gente já esperava anos atrás, de celeiro do mundo”, lembra Casarões.
O analista de proteína animal do Rabobank, Wagner Yanaguizawa, ressalta que, nesse contexto, a imposição de barreiras comerciais “é uma tendência para os próximos anos em termos de comércio global”, o que deverá exigir uma mudança de estratégia do Brasil no mercado externo.
Maior importador de carne de frango do Brasil, China investe em produção própria há um ano
“Querendo ou não, o lado importador é o que tem poder nessa negociação. É uma coisa que vamos ter que ficar atentos mesmo e que levanta questões de risco de ter dependência de poucos países como importadores. Então, sem dúvida, é um ponto de atenção hoje do setor nesse sentido”, conclui Yanaguizawa.