
Santa Catarina ocupa posição de destaque no cenário nacional e internacional quando o assunto é produção e exportação de carne de frango. O estado é um dos maiores fornecedores do Brasil e referência em sanidade animal, um pilar essencial para manter o selo de excelência que garante acesso aos mercados mais exigentes do mundo. Mas essa reputação de liderança não se sustenta apenas na produção em larga escala — ela depende também de pesquisa, inovação e prevenção.
De acordo com o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc), Fábio Wagner Pinto, a recente confirmação do vírus H5N1 no estado vizinho, Rio Grande do Sul, reforça os riscos decorrentes da migração de aves e da propagação de novas doenças. É nesse contexto que um projeto fomentado pela Fapesc e desenvolvido na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) vem chamando atenção por sua originalidade e potencial impacto.
“A consequência econômica que uma doença como essa pode ter passa a ser ponto de nossa atenção e foco de editais para fomento e desenvolvimento de tecnologias em Santa Catarina. A Fundação segue a orientação do governador, Jorginho Mello, em olhar o desenvolvimento tecnológico voltado às demandas da região, às demandas que se impõem aos nossos produtores. A pesquisa, a inovação e o fortalecimento da infraestrutura científica, com investimentos significativos em laboratórios de alta tecnologia, como os que existem na UFSC, promovem a colaboração entre pesquisadores e otimizam recursos para acelerar o desenvolvimento de soluções rápidas e eficazes”, frisa o presidente.

“O grande risco da gripe aviária vai além da saúde animal. A simples detecção do vírus em uma ave pode levar ao abate preventivo de milhares de animais, com prejuízos econômicos severos e impactos na segurança alimentar”, explica o professor Ricardo Castilho Garcez, coordenador do projeto.
Com os organoides — estruturas tridimensionais cultivadas em laboratório que imitam a função e a arquitetura de órgãos reais — os pesquisadores ganham uma nova ferramenta para estudar o comportamento do vírus em condições controladas, seguras e mais baratas.
A pesquisa, no entanto, teve um início inusitado. Tradicionalmente, o laboratório da UFSC liderado por Garcez usa embriões de galinha em seus estudos. Mas, diante de dificuldades da fazenda que fornecia os ovos em manter o fornecimento de ovos, a equipe buscou alternativas em granjas da região. Foi em uma dessas viagens a Lauro Müller, para buscar doações de ovos, que o professor teve a ideia: por que não retribuir com ciência a ajuda recebida do setor agropecuário?
A partir dessa colaboração espontânea surgiu um projeto com potencial de transformar o modo como o Brasil estuda e combate a gripe aviária. Produzir dados sem depender de instalações de biossegurança do tipo BSL-3, raras e de alto custo no país, é um avanço crucial.
“Hoje, Santa Catarina não tem nenhum laboratório com esse nível de segurança. Já os organoides podem ser cultivados em placas de Petri, o que nos permite simular centenas de condições diferentes ao mesmo tempo”, afirma o pesquisador. Além disso, o modelo permite análises em tempo real, elimina a necessidade de sacrificar aves e acelera o desenvolvimento e teste de medicamentos antivirais.
“Com o organoide, podemos aplicar uma substância e observar os efeitos quase imediatamente. Isso é algo impensável com animais vivos, onde o processo é demorado e bem mais complexo.”
O projeto é um dos 273 contemplados pelo edital 21/2024 do Programa de Pesquisa Universal – o maior da história da Fapesc, que destinou R$ 57 milhões para apoiar pesquisas com foco em inovação, sustentabilidade e impacto social em instituições sem fins lucrativos do estado. Para Garcez, o financiamento foi decisivo. “Sem esse apoio, o projeto não sairia do papel. Os reagentes são caros, os equipamentos precisam ser importados. A Fapesc enxergou a importância e apostou na nossa proposta”, frisa.
Atualmente, os cientistas já conseguiram desenvolver organoides com estruturas semelhantes aos alvéolos pulmonares das aves. A próxima etapa é confirmar se todos os tipos celulares estão presentes e corretamente organizados, o que permitirá avançar para a fase de testes com o vírus H5N1 em parceria com o Instituto Carlos Chagas, da Fiocruz, no Paraná.
Com os primeiros resultados promissores, a expectativa da equipe é de que a tecnologia não só ajude a entender melhor a gripe aviária, mas abra caminho para o estudo de outras doenças respiratórias em aves. Uma ferramenta científica com impacto direto na saúde animal, n