Com foco na defesa dos interesses da sociedade, do bem-estar dos animais, de proteção ao meio ambiente, da saúde do consumidor e de atender outras áreas direta e indiretamente impactadas pelo Projeto de Lei 1.293/2021, conhecido como PL do Autocontrole, a sessão de debates temáticos realizada hoje (12/12), no Senado Federal, expôs, com clareza, todas as implicações dessa proposta, caso aprovada. Durante os debates houve consenso entre a maioria de que o projeto fragiliza a atuação dos auditores fiscais federais agropecuários (affas) e também, que o setor produtivo defende a aprovação imediata do PL, assim como os aliados do Governo, autor do projeto.
Para o Sindicato dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (ANFFA Sindical), que teve 22 sugestões ao PL apresentadas por meio de emendas parlamentares, recusadas pelo relator, senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), o PL do Autocontrole traz um mecanismo perverso. “Entre outros riscos, abre a possiblidade de haver recursos para anular a suspensão de um estabelecimento”, destacou o vice-presidente do ANFFA, Ricardo Aurélio Nascimento.
Ricardo também citou riscos à alteração de marcos legais que podem afetar a Defesa Agropecuária, como a terceirização do trabalho de auditores fiscais federais agropecuários (affas), substituídos por agentes privados contratados pelo próprio setor produtivo do agronegócio. “Não houve tempo para discussões mais aprofundadas com entidades, para um olhar mais crítico dessa proposta. Por que corremos tantos riscos?” Questionou o vice-presidente do ANFFA.
Na mesma linha, de apontar impactos do PL a vários segmentos, o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), Lincoln Roberto Cordeiro, afirmou que a saúde e a segurança dos trabalhadores têm implicações nesse projeto. “O PL do Autocontrole vem numa ideia de facilitação administrativa de liberdade econômica e desburocratização, mas que sempre estarão limitados pelos parâmetros constitucionais”, ressaltou e destacou pontos divergentes no Projeto, como conceitos de defesa e fiscalização agropecuária, que não estão claros no texto. “Para o MPT há clara redução da força da fiscalização agropecuária no PL, que ganha caráter consultivo”, esclareceu. Citou ainda, o baixo valor das multas e perda do poder da fiscalização. “Qual é o limite da atuação das entidades privadas em relação à fiscalização?”, concluiu e afirmou que na visão do MPT, o sistema de autocontrole não é um problema, mas tem que ser regulado com uma fiscalização fortalecida.
Nesse sentido, o juiz federal e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Vicente Ataíde Júnior, criticou a delegação da atividade de fiscalização a entes privados. Disse que a medida fere o direito fundamental à saúde pública e ao direito do consumidor e ainda à proteção do meio ambiente e proteção constitucional dos animais. “Todos esses direitos fundamentais são diretamente impactados quando se pensa na possibilidade de uma fragilização, de uma precarização da atividade tanto de defesa agropecuária e precisamente da fiscalização agropecuária”, afirmou e alertou à necessidade de reflexão sobre a redação do PL, “para não abrir brecha à precarização de defesa e fiscalização agropecuária”.
Com relação à saúde, a nutricionista Isabelli Novelli, representante do Movimento Todos Juntos Contra o Câncer, trouxe a questão da fiscalização dos agrotóxicos para a discussão. Citou exemplo de estudo em que detectou algum tipo de agrotóxico em mais de 320 municípios do Paraná, relacionados ao aumento de casos de câncer. “O PL não propõe multas que inibam o excesso das indústrias”, afirmou.
Riscos
O debate também abriu espaço para entidades defensoras dos direitos do consumidor e dos animais. Matheus Falcão, assessor do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), trouxe preocupações do Instituto com a resistência de bactérias aos antibióticos (antimicrobiana), hoje tida como grande ameaça à saúde humana e que tem origem no setor agropecuário, segundo informou. Também atentou para a necessidade de se aumentar a auditoria e a fiscalização do uso de antibióticos no setor agropecuário. “Deveríamos estar debatendo o aumento da fiscalização agropecuária e não o contrário”, destacou. “É fundamental que não aprovemos esse PL por minar a segurança jurídica e abrir espaço à fragilização da fiscalização”, concluiu.
Em defesa dos animais, a diretora-executiva da Animal Equality, Carla Lettieri, trouxe vários pontos de reflexão, entre eles, o respeito às normas sanitárias nos abatedouros. “Segundo levantamento, 80% dos abates por frigoríficos de inspeção ocorrem sem a devida conformidade das normas sanitárias”, informou.
Também em defesa dos animais, o zootecnista José Rodolfo Ciocca, representante da World Animal Protection (WAP), afirmou que o programa de autocontrole, quando não fiscalizado de forma permanente, gera riscos não só para os animais, como para a sociedade brasileira, porque muitas vezes, não identifica falhas graves. Alertou ainda ao fato de que não há como garantir a conformidade de processos sem a fiscalização presencial dos processos do Autocontrole. Citou também a dificuldade no controle da parcialidade de laudos privados, com o processo de autocontrole.
Em defesa do PL do Autocontrole, o Secretário Márcio Rezende, representando o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), estranhou o que definiu como confusão entre autocontrole e redução da fiscalização. “De forma alguma haverá supressão da fiscalização”, afirmou e disse que a discussão não tem cabimento.
Representantes do setor produtivo, como Carlos Lima, presidente Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), informou que o setor entende o PL como um processo de evolução e afirmou que a proposta
resolveria o problema da falta de affas, assim como também o relator da proposta, o senador Heinz, que também presidiu a sessão de debates. A mesma fala foi reforçada ainda pelo senador Wellington Fagundes (PL-MT).
Andressa Silva, diretora-executiva da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), falou como representante da Abiarroz e da indústria do feijão. Também trouxe uma visão otimista sobre o PL do Autocontrole. Entre os benefícios da proposta, citou a questão das multas aplicadas à cadeia produtiva, de forma equivocada, e não diretamente ao responsável direto pela infração, como prevê o projeto.
Para Gustavo Beduschi, diretor-executivo da Viva Lácteos (Associação Brasileira de Laticínios), o autocontrole, para o setor de laticínios, já é uma realidade desde 2015. Ele elogiou a melhoria de processos, segundo a redação do projeto.