O aumento de preços de produtos agrícolas deverá ser temporário, e pode-se esperar uma correção nos mercados no médio prazo, com consequente baixa de preços reais. A avaliação é da Agência das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que publicaram ontem seu relatório anual sobre as perspectivas agrícolas 2021-2030.
O relatório concentra seu foco nas tendências de médio prazo, mas observa que “uma ampla gama de fatores pode gerar condições para flutuações de preços a curto prazo nos mercados agrícolas’’. Exemplifica com a evolução nos mercados de energia, que afetam os preços de insumos, e a maior volatilidade nas cotações de grãos.
Os preços de commodities agrícolas aumentaram desde o segundo semestre de 2020, com uma forte demanda de ração para animais na China e restrições ao crescimento da produção global, além de outros fatores. “Com isso, uma correção é esperada para os primeiros anos do período coberto pelas projeções (2021-2030)”, apontam as duas entidades. “A partir daí, os fundamentos do mercado devem resultar em uma ligeira baixa dos preços reais, sob efeito das melhoras da produtividade e da desaceleração do crescimento da demanda”.
A diminuição dos preços reais pode pressionar a renda dos agricultores, especialmente dos pequenos proprietários e dos agricultores familiares, que não são capazes de reduzir seus custos o suficiente, melhorando a produtividade.
FAO e OCDE destacam que ao longo da década acontecimentos climáticos, pragas e doenças animais e vegetais, alteração dos preços de insumos, situação macroeconômica e outras incertezas se traduzirão em variação nos preços projetados.
As projeções apresentam uma retomada econômica generalizada a partir deste ano, após a forte contração em meio à pandemia de covid-19. No entanto, o nível de Produto Interno Bruto (PIB) em 2030 é estimado para ficar abaixo de cálculos anteriores e não vai se recuperar inteiramente nos próximos dez anos.
A demanda global por commodities agrícolas, incluindo para uso não alimentar, é projetado para crescer 1,2% ao ano até 2030, inferior à expansão média de 2,2% ao ano no período 2011-2020. É que a demanda da China vai crescer menos (0,8% comparado a 2,7% por ano na última década) e em outros emergentes, além de menor demanda por biocombustíveis.
Tendências democráticas, crescente substituição de carne vermelha por frango em nações ricas, e um boom per capita no consumo na Asia do Sul devem formatar a futura demanda. A maior parte da demanda adicional por produtos agrícolas virá de regiões com alta população, como na África subsaariana, Ásia do sul e norte da África.
Globalmente, a disponibilidade de alimentos é projetada para crescer 4% durante a próxima década, alcançando pouco mais de 3000 calorias por pessoa por dia – mas ficando em 2.500 calorias por dia na África subsaariana, onde vivem 224 milhões de pessoas já subnutridas.
A composição do regime alimentar influenciará também a saúde. O consumo per capita de gorduras está projetado para crescer mais rapidamente entre os principais grupos alimentícios, em razão do maior consumo de alimentos processados e produtos ditos de conveniência. Tudo isso em meio à tendência crescente de refeições fora de casa, urbanização contínua, aumento da participação das mulheres na força de trabalho.
Sobretudo nos países em desenvolvimento, a preferência por carne bovina e pesca resta elevada, e a disponibilidade em proteínas animais por habitante aumentará em 11% nesses mercados. O aporte de frutas e legumes representa só 7% do total das calorias disponíveis. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda um consumo diário de 400 gramas de frutas e legumes por pessoa.
A melhoria da produtividade será fundamental para alimentar uma população global crescente – projetada para atingir 8,5 bilhões até 2030 – de forma sustentável. Dos aumentos na produção agrícola global previstos para 2030, 87% estão projetados para vir do crescimento da produção, outros 6% virão da expansão do uso da terra e 7% do aumento na intensidade de cultivo.
Também grande parte da expansão projetada na produção de gado e peixes será resultado de ganhos de produtividade. A ampliação do rebanho contribuirá significativamente para o crescimento da produção pecuária em economias emergentes e países de baixa renda.
O comércio internacional continuará a ser crítico para a segurança alimentar global, nutrição, renda agrícola e combate à pobreza rural. Em média, em todo o mundo, cerca de 20% do que é consumido internamente é importado. Por sua vez, até 2030 nada menos de 34% da produção agrícola da América Latina será exportada.
As emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) provenientes da agricultura globalmente deverão aumentar 4% nos próximos dez anos, com a produção pecuária respondendo por mais de 80% desse crescimento, projetam FAO e OCDE em relatório sobre as perspectivas agrícolas para 2021-2030.
Esse resultado ocorre apesar de as emissões por unidade de produção – intensidade de carbono da produção – serem projetadas para diminuir significativamente ao longo do período.
No caso da América Latina, onde o Brasil é o mais visado por questões ambientais, o estudo projeta que as emissões de GEE devem crescer marginalmente em 0,1% ao ano durante a próxima década. A maior parte desse aumento na América Latina vem da produção vegetal, onde as emissões aumentarão em 4,4% durante o período de dez anos. As emissões de fontes animais permanecerão bastante estáveis na região.
As duas organizações notam que, diante do grande tamanho e potencial de crescimento do setor agrícola, sua contribuição para o total de emissões e a disponibilidade de opções de mitigação rentáveis são importantes para que sejam alcançados os objetivos de estabilização do clima do Acordo de Paris.