A JBS ergueu uma plataforma global de US$ 52 bilhões de faturamento a custa de muitas aquisições – via de regra, pagando barato por bons ativos de empresas em maus lençóis. Mas em um mundo onde a disrupção está sempre à espreita, com uma enxurrada de alternativas veganas à carne, a gigante brasileira da indústria frigorífica aceitou pagar múltiplos de receita para não perder o bonde do plant based e preservar a liderança global.
Em uma transação anunciada ontem, a JBS chegou a um acordo para adquirir a holandesa Vivera, por 341 milhões de euros (quase R$ 2,3 bilhões). Para uma companhia que já declarou a dificuldade de alavancar o balanço – é isso mesmo -, tamanha a geração de caixa de suas operações nos Estados Unidos, a aquisição terá impacto marginal (inferior a 0,1 vez) no índice de endividamento. A JBS já previa investir de US$ 1,5 bilhão a US$ 1,7 bilhão em 2021.
Controlada pela Guild, firma de private equity com 3 bilhões de euros sob gestão, a Vivera fatura apenas 80 milhões de euros, mas cresce de 25% a 30% ao ano e já é a terceira maior indústria de plant based da Europa, só atrás de Quorn Foods – uma empresa britânica controlada pelo grupo filipino Monde Nissin – e Garden Gourmet, marca que pertence à multinacional suíça Nestlé.
“É pequeno para o tamanho da JBS, mas nos dá musculatura. Seremos um player relevante em plant based”, afirmou o CEO da JBS, Gilberto Tomazoni, em entrevista ao Pipeline.
Nos últimos anos, a JBS já vinha reforçando a presença em meatless nas diversas partes do globo. No Brasil, a Seara lançou a linha Incrível, um negócio desbravado pela foodtech Fazenda Futuro. Nos EUA, estreou com a marca OZO e, na Austrália, pôs a Primo Smallgoods na disputa. Faltava a Europa, continente onde a JBS atua nos negócios de frango, com a Moy Park, e de porco, com a Tulip – ambas são controladas pela americana Pilgrim’s Pride. Com a Vivera, a companhia dos irmãos Joesley e Wesley Batista mostra suas credenciais (a rival brasileira BRF chegou a olhar o ativo).
Com três fábricas e um centro de pesquisa localizados na Holanda, a Vivera concentra aproximadamente 70% das vendas na Holanda, na Alemanha e no Reino Unido. Os três países representam 60% do mercado de plant based na Europa, de acordo com Tomazoni. Fundada em 1990, a Vivera não é exatamente uma novata, mas passou a se dedicar exclusivamente ao plant based há dois anos, quando vendeu o negócio de carne tradicional ao grupo holandês Van Loon Group.
O executivo não arrisca estimativas sobre o potencial do promissor mercado, mas a Seara chegou a projetar que as proteínas vegetais responderão por 15% do segmento no longo prazo. Num relatório publicado no ano passado, a consultoria A.T. Kearney projetou que as alternativas veganas à carne representarão 18% de um mercado estimado em US$ 1,4 trilhão em 2030.
A JBS não divulgou o múltiplo (EV/Ebitda) da aquisição, mas o CEO frisou que o valuation de um negócio de alto crescimento como a Vivera segue parâmetros diferentes dos comumente usados pela firma dos irmãos Batista nas aquisições. “É outro jeito de calcular”, diz. O Barclays assessorou a JBS no M&A.
Uma boa referência é a americana Beyond Meat, que fez um concorrido IPO em 2019, quase triplicando de valor no primeiro pregão. Com apenas US$ 406 milhões de receita líquida no ano passado, a companhia vale mais de US$ 8,6 bilhões na Nasdaq. Em fase de investimentos para crescer, a firma ainda entrega margens acanhadas ou mesmo negativas, mas negocia a mais de 20 vezes a receita.
A considerar o exemplo, a JBS não torrou dinheiro. A aquisição da Vivera implica múltiplo de faturamento de pouco mais de 4 vezes, uma aposta que deve se pagar com o crescimento projetado pela companhia. Em setembro, a companhia anunciou um investimento de 30 milhões de euros para dobrar a capacidade de uma das fábricas na Holanda. A Vivera vislumbra um faturamento de 250 milhões de euros em cinco anos. Se capturar parte do valuation da Beyond Meat, a JBS pode até abrir uma fresta para destravar ainda mais valor. Turbinada pelo excepcional momento das operações americanas, que representam mais de 70% da geração de caixa, a companhia bateu o all-time high ontem, avaliada em R$ 87 bilhões.