A proposta do Parlamento Europeu para proibir acesso ao mercado comunitário de várias commodities produzidas em zonas desmatadas corresponde a 80% das exportações do agronegócio brasileiro ou 40% do total das exportações para a União Europeia, somando US$ 14,5 bilhões de vendas em 2021 para o bloco, segundo diferentes cálculos ao qual o Valor teve acesso.
Por sua vez, o embaixador do Brasil junto à UE, Pedro Miguel da Costa e Silva, evitou citar cifras, mas destacou que a futura regulamentação europeia poderá ter impacto numa parte significativa das exportações agropecuárias brasileiras. Ele qualificou a posição da UE de unilateralismo e disse que o bloco viola as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Em sua proposta original, a Comissão Europeia tinha sugerido proibir a entrada de carne bovina, café, soja, cacau, óleo de palma e madeira, incluindo produtos que contêm ou foram fabricados a partir desses produtos, como couro, chocolate e móveis, se não tiverem o selo de “livre de desmatamento”.
Nesta semana, o Parlamento Europeu dobrou a lista, propondo o embargo também para carnes de frango, suína, ovinos e caprinos, milho e borracha, além de carvão vegetal e produtos de papel impresso.
Pela posição dos parlamentares, as commodities não devem ter sido produzidas em terras desmatadas após 31 de dezembro de 2019 – um ano antes do que a Comissão Europeia tinha proposto originalmente.
O impacto sobre o Brasil dependerá de qual percentual será considerado ligado ao desmatamento e “pode ser pouco, pode ser muito”, conforme uma fonte. Ou seja, não é que todos os produtos exportados pelo Brasil vão ser afetados automaticamente. Mas há um potencial de medidas restritivas ao comércio, com impacto sobre os embarques do país para o bloco europeu.
Independentemente disso, a futura legislação europeia vai gerar novos custos e mais burocracia para os operadores do comércio bilateral. Será necessário provar que não houve desmatamento na cadeia produtiva.
O Brasil exportou US$ 36,5 bilhões no total para a UE no ano passado, dos quais US$ 17,9 bilhões foram produtos agropecuários. Conforme dados do Agrostat, do Ministério da Agricultura, somente as exportações de soja, uma das commodities mais visadas pelos ambientalistas, alcançaram US$ 7,84 bilhões para a UE, segundo maior mercado dessas vendas brasileiras, atrás da China.
O total de café exportado no mesmo período foi de US$ 2,838 bilhões para a UE, o principal comprador (44,5% do total exportado). O bloco é o quinto mercado para as vendas brasileiras de carnes bovina e de frango.
O texto aprovado no Parlamento Europeu, na terça-feira, 13, representa a posição dos deputados para evitar o desmatamento importado. Agora, haverá negociação entre o Parlamento, a Comissão Europeia e o Conselho Europeu (reunindo os líderes dos 27 países-membros) para alcançar o texto final.
“O Brasil já deixou claro para a UE sua preocupação com essa proposta de legislação”, disse o embaixador Pedro Miguel. “A nossa preocupação é de que, dependendo de como aplicar os critérios e metodologia, [a UE] pode criar barreiras ao comércio e embargos a importações de determinados países.”
A inquietação abrange quais dados a UE vai usar, a maneira como vai fiscalizar se há desmate ou não na cadeia produtiva, como vai levar em consideração manifestações de exportadores e importadores.
“O que esperamos é que não só respeitem a nossa legislação, como levem em consideração aspectos práticos da produção e também os custos que podem gerar para os produtores que poderão ser afetados”, acrescentou.
Para o Brasil, pelos contornos atuais da proposta em discussão, a UE “viola as regras multilaterais de comércio, é unilateral e extraterritorial”. E isso, disse o embaixador, “não está de acordo com o sistema baseado em regras que os europeus defendem. As regras têm que ser negociadas em conjunto, e não definidas unilateralmente por um parceiro comercial”.
“O melhor caminho para combater o desmatamento é a cooperação para trabalhar juntos nos foros internacionais que tratam do tema, e não com legislação baseada em sanções e embargos comerciais”, afirmou o embaixador.
Pedro Miguel destacou que o Brasil está “mais do que preparado para discutir Amazônia, desmatamento, mas sob cooperação, e não sob o prisma de sanções e embargos ao comércio”.
Em Brasília, a consultoria BMJ publicou nota dizendo que o Itamaraty já organiza reclamações formais na OMC contra o plano europeu. “Informações internas também dão conta de uma possível retaliação por parte do governo brasileiro, atingindo especialmente as indicações geográficas da UE”, diz a publicação. Fontes diplomáticas não quiseram fazer comentários, mas é certo que o Brasil já vem apresentando “preocupações comerciais” na OMC sobre o tema – o que não significa abertura de disputa legal, até porque a regulamentação europeia nem existe ainda em seu formato final.