Embora liderem a pauta de importação da China, a soja e a celulose brasileiras ainda têm largo espaço para expandir as vendas àquele país nos próximos anos. O mesmo não acontece com outros produtos relevantes nessa relação, como proteína animal e açúcar – que têm avançado, mas sem o mesmo potencial de longo prazo. A conclusão consta de estudo do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), que cruza os dados do mercado chinês com os de exportação do Brasil e seus principais concorrentes nos principais setores do agronegócio entre 2014 e 2020.
“Só dados de exportação do Brasil não servem para indicar robustez e segurança na troca comercial com a China. Um panorama completo pede a análise do mercado chinês, para afirmar se as importações do país são ou não fração crescente da demanda e qual é a tendência da produção interna”, diz a pesquisadora do Ipea Scarlett Queen Almeida. “O estudo mostra que soja e celulose vão ter ainda mais espaço na China do que os demais gêneros exportados”, afirma.
No caso da soja, números do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, em inglês) compilados pelo Ipea mostram que a oferta interna (produção e estoques) não chega a 40% do consumo chinês em nenhum dos anos analisados. Sozinha, a produção chinesa nunca passa de 18% do que é consumido, mesmo avançando seguidamente entre 2014 e 2019. No ano passado essa produção caiu 3,3%, enquanto o consumo de soja voltou a crescer (6,3%) na esteira da recuperação da peste suína africana (PSA) – que reduziu o rebanho de porcos, cuja ração é a base de soja. Em compensação, as importações subiram e bateram o recorde de 96 milhões de toneladas.
Scarlett diz que essa dinâmica do mercado de soja chinês em 2020 não será episódica e deve se acentuar com a recuperação da população de suínos e com o fim dos subsídios à produção interna – que imperou entre 2011 e 2016 sem os resultados esperados. Pesarão, ainda, as políticas de revitalização rural, como incentivo do governo a pequenos produtores para substituírem a produção de grãos por gêneros de maior valor agregado, como frutas e legumes, a fim de aumentar a renda no campo.
O cenário, diz, abre janela de oportunidade “sem igual” para o Brasil, que já se mostrou capaz de suprir o pico de demanda quando os EUA recuaram na pauta chinesa durante a guerra comercial: no auge do imbróglio, a China chegou a responder por 82,41% das exportações brasileiras, aponta o Ipea. Em 2020, com a normalização das exportações americanas de soja à China, esse percentual foi rebaixado a 73,2% ou US$ 20,9 bilhões.
Scarlett diz que o Brasil tem maior capacidade de produção do que EUA e Argentina, segundo e terceiro maiores exportadores de soja ao país asiático. “Em 2019, mesmo com a guerra comercial, a China ficou com 42% da produção americana e isso representou só 18% da importação de soja. Para suprir a demanda chinesa, eles [EUA] teriam de deslocar a produção que escoam para outros países, o que não conseguem.” No caso da Argentina, que tem cerca de 10% do mercado chinês de soja, joga contra a alta de impostos na exportação de produtos agropecuários.
O caso da celulose é parecido. Embora produza cerca de metade do que consome, nos últimos anos as importações chinesas crescem em ritmo superior à produção local, cenário que também deve se intensificar pela substituição da produção do insumo por outros de maior valor agregado. Em seis anos a presença chinesa nas exportações de celulose do Brasil saltou 15 pontos percentuais, para mais de 45%. O país roubou parte importante das fatias de mercado de Canadá, EUA, Chile e Rússia. “São fenômenos complementares. Por isso, tendem a se intensificar”, diz Scarlett.
Quanto às carnes – em que o Brasil lidera as vendas do tipo bovino à China -, ela observa que a produção chinesa está mais em linha com o consumo local e que a recente alta das importações encontra forte componente na crise da PSA, tendendo a arrefecer ou se estabilizar. No caso do açúcar, mais do que isso, além da produção chinesa ser relevante (66% do consumo), as importações são mais pulverizadas e o Brasil vem perdendo espaço para países como Cuba e El Salvador, ainda que avance nos volumes anuais exportados.