As chuvas no Rio Grande do Sul podem ter sido um agravante do aparecimento de um foco de doença de Newcastle no Brasil após quase duas décadas sem notificações. De acordo com veterinários, as consequências da catástrofe climática, como queda de árvores e o alagamento de áreas inteiras pode estar relacionado à maior transmissão da doença.
“Houve destruição de árvores que poderiam conter ninhos de pássaros e tudo isso foi levado pelas águas. Isso, somado a aves exóticas e de estimação, são disseminadores do vírus”, explica a professora titular aposentada da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e conselheira do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Rio Grande do Sul (CRMV-RS), Maristela Lovato.
Ela explica que a vacinação contra a doença é obrigatória no país em criações de matrizes, animais de maior valor comercial devido ao seu potencial genético. Já em aves de corte, cujo tempo máximo de vida é de 30 a 40 dias, a imunização não é aconselhada. “Esses animais já herdam os anticorpos de suas mães”, explica.
Nesse sentido, o contexto climático extremo vivido pelo Estado também pode ter contribuído para o surgimento de um foco com mais de 14 mil casos da doença. “Os anticorpos maternos começam a declinar ao redor de sete a dez dias após o nascimento das aves e, se não houve condições adequadas de ambiência, pode facilitar a fixação do vírus”, pontua a médica veterinária.
O pesquisador da Embrapa Suínos e Aves, Luizinho Caron, não descarta a possibilidade de alguma falha de biosseguridade, apesar da adoção de protocolos mais rigorosos por causa da gripe aviária, doença com comportamento epidemiológico semelhante à doença de Newcastle e que também chegou ao Brasil. E avalia que podem ocorrer outros casos. “Essa doença veio de algum lugar, sejam aves silvestres ou domésticas”.
A professora titular sênior de Epidemiologia das Doenças Infecciosas da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ-USP), Masaio Mizuno Ishizuka, tem pensamento diferente. Na avaliação dela, se houvesse outras suspeitas, já teriam aparecido. O período de incubação da doença de Newcastle é de 24 a 72 horas.
“As propriedades num raio de dez quilômetros já foram e estão sendo visitadas, e os proprietários alertados sobre as medidas emergenciais. Se tivesse acontecido alguma coisa, já teria aparecido um novo caso”, comenta a especialista.
Após a confirmação do diagnóstico, o Brasil anunciou a suspensão de exportações de produtos avícolas para pelo menos 44 países. Em alguns casos, vale para todo país, e, em outros, apenas para os produtos do Rio Grande do Sul. A avaliação dos veterinários é de que sejam necessários de três a seis meses para que o Brasil consiga comprovar que o Estado continua como uma zona livre da doença.
“Tudo vai depender do que for encontrado nessa investigação epidemiológica, assim como ocorreu com o surto de influenza em Santa Catarina e Espírito Santo no ano passado”, destaca o pesquisador da Embrapa.
Naquele ano, foram detectados focos da influenza em aves de criação doméstica, para subsistência, nos dois Estados, o que gerou a suspensão das exportações brasileiras de carne de frango para Japão por três meses. “O Brasil vai ter que trabalhar para demonstrar que é livre da Newscastle e que não tem mais o vírus circulando no país. É um trabalho árduo para o nosso setor”, avalia a conselheira do CRMV-RS.
Até que isso ocorra, o prejuízo econômico da suspensão para o Rio Grande do Sul, terceiro maior exportador de carne de frango do país é dado como certo. “O impacto é severo, não é possível nem estimar, mas certamente vai ser grande”, avalia o pesquisador da Embrapa.