Pela primeira vez os suíços vão votar sobre um acordo comercial. A consulta popular a respeito de um tratado firmado entre o país e a Indonésia certamente terá impacto sobre um acordo com o Mercosul, que também gera controvérsias. O que está em jogo são as condições da produção agrícola dos parceiros comerciais suíços, com claros sinais de maior pressão sobre as exportações brasileiras.
A Suíça é a maior economia da Associação Europeia de Livre Comércio (Efta), que também inclui Noruega, Islândia e Liechtenstein. São países pequenos, que não fazem parte da União Europeia, mas de alto poder aquisitivo.
O acordo comercial da Efta com a Indonésia, o quarto país mais populoso do mundo, provocou irritação na Suíça em razão da política ambiental de Jacarta, a começar pela destruição de florestas com a produção de óleo de palma.
Esse óleo, abundante, polivalente e barato, tornou-se essencial na indústria e é usado em produtos que vão de margarinas a detergentes. Mas, segundo a organização WWF, é o ambiente que paga a fatura. Junto com a Malásia, a Indonésia responde por 80% da produção global, e suas exportações superaram 30 milhões de toneladas em 2018.
Para tentar obter o sinal verde para o acordo com o país asiático – primeiro do Parlamento, e agora da população -, o governo suíço conseguiu condicionar o acesso preferencial do óleo de palma no mercado helvético a rígidas condições.
Assim, um importador suíço só poderá se beneficiar da redução da tarifa de importação para o óleo de palma indonésio que for produzido segundo exigências de sustentabilidade comprovada. É o importador que deverá apresentar a prova da proteção ambiental, com certificado que reconheça os controles.
Trata-se de uma novidade que poderá abrir a porta para condicionalidades do gênero em outros acordos no futuro. Porém, os promotores do referendo popular na Suíça continuam insatisfeitos. Eles dizem que cláusulas de sustentabilidade ambiental no tratado com a Indonésia são promessas difíceis de serem cumpridas sem sistemas de controle e de sanções mais eficazes. Eles alegam, por exemplo, que a corrupção é onipresente no país, assim como a violação sistemática de certificações de sustentabilidade, estatais e privadas.
Se o acordo com a Indonésia for rejeitado pelo povo suíço no domingo, a consequência é que, por tabela, o acordo com o Mercosul também estará morto. Em caso de aprovação, o tratado com o Mercosul, cuja negociação foi concluída em agosto de 2019, poderá ter menos dificuldades para enfim ser assinado pelo governo e submetido ao Parlamento.
É praticamente certo que grupos ambientais vão conseguir que seja aprovada a convocação de um referendo popular também contra o acordo com o Mercosul. Essa votação será ainda mais perigosa porque o acordo com o Mercosul é considerado mais fraco que o da Indonésia em termos ambientais.
Na atual campanha para “vender” o acordo com o país asiático, o presidente da Suíça, Guy Parmelin, foi indagado pela imprensa se haverá cláusula de sustentabilidade também no pacto Efta-Mercosul. Ele respondeu que sim. A diferença, afirmou, é que, “neste caso, não falamos de óleo de palma, mas de carne bovina’’ – ou seja, a carne brasileira só entraria com alíquota menor na Suíça com carimbo de produção sustentável e longe de desmatamento.
Ao Valor, o Departamento Federal de Economia suíço esclareceu, contudo, que “as preferências aduaneiras para a carne bovina procedente dos países do Mercosul não serão condicionadas a sistemas de certificação de sustentabilidade como no caso para o óleo de palma da Indonésia’’.
Segundo a assessoria do órgão, Parmelin queria mencionar que o acordo com o Mercosul terá um capítulo completo sobre comércio e desenvolvimento sustentável que inclui obrigações e padrões internacionais como convenções da Organização Internacional do Trabalho, o Acordo de Paris (mudanças climáticas) e outros acordos ambientais multilaterais.
Segundo o governo suíço, o acordo com o Mercosul contém “engajamentos específicos” nas áreas de mudanças climáticas, biodiversidade biológica, gestão sustentável das florestas, agricultura e sistemas alimentáveis duráveis.
Portanto, a ausência no acordo Efta-Mercosul de condicionalidade semelhante à imposta à Indonésia amplifica sua rejeição por boa parte da população suíça. E o debate ilustra a que ponto a questão ambiental é sensível e vai se impor em qualquer negociação que o Brasil e seus parceiros do Mercosul queiram fazer.
Para piorar, o governo Bolsonaro é encarado com forte desconfiança na Europa. Na Suíça, um futuro referendo sobre o acordo Efta-Mercosul enfrentará não só a questão ambiental, mas também a imagem negativa do presidente brasileiro no exterior.
Nesse contexto, o acordo entre UE e Mercosul continua sofrendo rejeição de parte do Parlamento Europeu. Alguns deputados cobram a inclusão de sanções para reforçar tanto a proteção ambiental como direitos humanos e padrões trabalhistas, principalmente no Brasil.