Os reflexos da mobilização dos auditores fiscais federais agropecuários na produção, exportação e importação de produtos e insumos do agronegócio já começam a ser sentidos por agentes do setor. Ainda não há um levantamento geral sobre os impactos, mas lideranças relatam “preocupação” com atrasos nos processos de certificação sanitária ou despacho aduaneiro.
Cargas de produtos agropecuários, algumas com destino para a China, estão paradas nos portos. Já há filas de caminhões nos entrepostos de fronteira em Foz do Iguaçu (PR) e Dionísio Cerqueira (SC) com itens importados da Argentina, Chile e Paraguai, segundo relatos feitos ao Valor.
Exportadores classificam as medidas adotadas como “procrastinatórias”. Há relatos sobre atrasos nas centrais de certificação para liberação de trânsito de cargas de carne já inspecionadas nos frigoríficos. “Ato ilícito”, na avaliação de uma fonte.
Um ofício da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), remetido às empresas associadas na semana passada, diz que a essência da mobilização dos auditores “é criar ainda mais embaraços e paralisações”. Em setembro, durante a operação pente-fino dos auditores, a Abiec conseguiu uma liminar na Justiça para obrigar a continuidade dos “serviços de inspeção e fiscalização dos produtos industrializados e a expedição dos certificados sanitários” até o julgamento do mandado de segurança. A decisão continua em vigor e, segundo a entidade, ampara as empresas também na operação padrão atual.
“Caso algum AFFA esteja criando embaraço no cumprimento de suas obrigações legais (…), recomendamos (…) a orientar o colega auditor fiscal federal agropecuário [a retomar] suas atividades corriqueiras já que os associados Abiec estão amparados em decisão judicial, que questionou a ‘operação pente fino’ e suas práticas procrastinatórias, e que o descumprimento por parte do servidor público envolvido pode sujeitar o infrator a apuração de crime por descumprimento de ordem judicial”, diz o ofício obtido pelo Valor.
“Ao apontar embaraços à produção, a própria associação não atenta que embaraço maior é a sua postura intimidatória. Afinal, os affas não têm obrigação de cumprir decisão judicial recebida por meio não oficial, como, por exemplo, o comunicado elaborado pela associação”, diz um ofício posterior assinado pelo presidente do Anffa Sindical, Janús Pablo. O sindicato diz que a mobilização não é greve e que segue estritamente o princípio da legalidade. Qualquer “intimidação” de agentes privados deve ser denunciada, informou.
“Está começando a gerar problemas. É preciso buscar diálogo e solução, mas sem prejuízo à produção brasileira. A população depende dos alimentos e empregos gerados pelo setor”, disse Paulo Mustefaga, presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo).
Ainda em dezembro, a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) pediu “atuação emergencial” da ministra Tereza Cristina no caso. Em 48 horas de operação, agroindústrias já informavam o comprometimento de linhas de produção em patamares de 60%. A preocupação também é com a perda de janelas ideais de embarques ao exterior.
“Contratos de exportação entram em risco, assim como geração de divisas e a estabilidade econômica das agroindústrias, especialmente nas empresas cuja capacidade logística e de armazenagem são limitadas”, diz outro ofício.
Ainda não há levantamentos oficiais sobre os impactos da operação padrão. Auditores ouvidos esclarecem que a intenção não é prejudicar a sociedade, mas conseguir sensibilizar o governo para melhorar as condições de trabalho da categoria. O Ministério da Agricultura foi procurado, mas não se manifestou.
Em assembleia no fim de dezembro, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa Sindical) decidiu adotar a operação padrão, em que os profissionais cumprem os prazos regimentais das atividades e se limitam a trabalhar oito horas diárias, sem a realização de horas ou turnos extras. A medida é uma forma de pressionar o governo federal por reajuste salarial e realização de novos concursos públicos para suprir o déficit de servidores. Os fiscais agropecuários estudam entregar cargos, a exemplo dos funcionários do Banco Central e da Receita Federal que também estão em mobilização.
Os auditores continuam atuando dentro da lei, de acordo com o sindicato, mas a alta demanda e a falta de servidores travam os processos. “Se os fiscais dos frigoríficos se limitarem a trabalhar oito horas por dia, já causa transtorno. Do jeito que está, bastaria cumprir os prazos processuais e a jornada de trabalho para haver atrasos”, relatou outra fonte.
A categoria pede o fim das “jornadas extenuantes, de horas extras não compensadas nem remuneradas, no fim do trabalho contínuo e desgastante de domingo a domingo”. As horas extras, por exemplo, têm que ser compensadas em até dois meses ou expiram. O prazo não é suficiente, dizem os auditores, mas não foi alargado mesmo após apelo dos servidores na pandemia.
Os fiscais agropecuários também querem o fim dos “almoços estendidos”, de até três horas, o que mantém o profissional mais tempo no frigorífico e “força” trabalhos emergenciais.
Outra reivindicação é uma organização na distribuição de tarefas. “Diversos affas respondem por até 50 estabelecimentos periódicos ao mesmo tempo que faz inspeção permanente”, diz o Anffa.