O ovo é um dos alimentos mais nutritivos da natureza e estão presentes nele quase todos os nutrientes que o corpo necessita. Ele contém 13 vitaminas essenciais e minerais em quantidades variadas incluindo colina, ácido fólico, ferro, zinco e outros, além de proteínas de alto valor biológico, gorduras insaturadas (saudáveis) e antioxidantes, com apenas 70 calorias. O pacote de propriedades nutritivas do ovo é bem extenso.
O Brasil fechou o ano passado com um consumo per capita de 257 unidades (dados da Associação Brasileira de Proteína Animal), e os estudos mostram que a inclusão de (ao menos) 1 ovo por dia na alimentação tem inúmeros benefícios para a saúde, e mencionando apenas alguns deles, podemos afirmar que melhora a imunidade, o desenvolvimento intelectual, evita perda de massa muscular, em efeitos na saúde dos olhos, entre outros.
Exatamente por suas inúmeras qualidades, após extensas pesquisas científicas, ele passou a ser o queridinho da alimentação da população brasileira, como já o era em diversos lugares do mundo.
E como não poderia deixar de ser, isso se refletiu no aumento significativo da produção observada nos últimos 10 anos: a produção de ovos no Brasil passou de 31 bilhões de unidades em 2011 para 54 bilhões em 2021.
Logo o aumento no consumo, a exigência cada vez maior dos consumidores por segurança nos produtos consumidos e a evolução natural da cadeia, nos leva mais e mais a buscar ferramentas de controle e excelência na produção, manipulação e processamento dos produtos.
Histórico
O processamento dos ovos foi criado não só para aproveitamento dos ovos muito pequenos e muito grandes, mais difíceis de serem comercializados, mas, principalmente para segurança alimentar, ou seja, para diminuir a contagem de bactérias presentes nos ovos, especialmente as salmonelas de interesse em saúde pública (Salmonella Enteritidis).
O processo de pasteurização foi criado e desenvolvido por Louis Pasteur na França combinando tempo e temperatura de processamento, diminuindo contagem bacteriana e mantendo as características do produto.
Acredita-se que as primeiras pasteurizações datam de 1939. O processo foi se desenvolvendo ao longo dos anos até chegar a um denominador comum de tempo e temperatura para ovo integral, clara e gema, adotado ao redor do mundo.
Com as diferentes tecnologias desenvolvidas, porém, mantendo a eficiência do processo contra salmonela, é possível fazer mudanças no tempo e temperatura de pasteurização mantendo um racional.
Respeitar todo o processo de obtenção do ovo processado com rastreabilidade e boas práticas de fabricação é importante para manter o status do ovo de alimento saudável.
ETAPAS DO PROCESSAMENTO
O processamento de ovos para obtenção de ovo líquido segue as seguintes etapas:
Recepção da matéria-prima – ovoscopia – lavagem – quebra (integral, clara, gema) – filtragem – resfriamento – homogeneização – pasteurização – envase – armazenamento.
– Recepção da matéria-prima
A qualidade da matéria-prima tem um papel muito importante na qualidade do ovo pasteurizado. Porém, diante das propriedades nutricionais do ovo e considerando que é papel fundamental na produção de alimentos evitar ao máximo o desperdício, o aproveitamento de ovos de segunda linha das granjas é papel fundamental da indústria. É preciso sempre evoluir nas discussões e garantias para utilização total das matérias-primas disponíveis, reduzindo ao máximo as perdas na cadeia produtiva.
Independente se é utilizado ovo íntegro, trincado (desde que a membrana testácea não se apresente rompida), ovos lavados e até mesmo ovos galados, quanto menos tempo ficarem armazenados, melhor será o produto obtido da quebra e processamento destes ovos.
É importante ressaltar que o MAPA legisla sobre quais ovos são elegíveis para entrar na linha de processamento. Há atualmente questionamentos sobre utilização de ovos sujos e/ou trincados. Pela legislação recém-publicada (Portaria SDA nº 612, de 6 de julho de 2022 – que substituiu a Portaria 01/1990) ovos sujos com casca trincada, após lavado, não pode ser aproveitado para industrialização, assim como ovos trincados com membrana da casca rompida. Também, o Decreto nº 9.013, de 29 de março de 2017, regulamenta a questão da utilização dos ovos férteis provenientes dos estabelecimentos de reprodução: aqueles que não foram submetidos ao calor, ou seja, que não entraram na máquina de incubação devem ser encaminhados exclusivamente para a indústria de ovos, vedada sua comercialização como ovos para consumo humano.
Quando se quer fazer a separação dos ovos para processamento de clara e gema é importante atentar para idade dos ovos. Ovos recém postos são de difícil separação e ovos muito velhos pode haver rompimento da gema e mistura desta com a clara. O problema da mistura de gema na clara, além de alterar as características físico-químicas da clara (sólidos, pH) altera também as características funcionais da clara, tempo de batimento e tempo de estabilidade da espuma. É importante fazer medições de pH e sólidos de todos os lotes de matéria-prima uma vez que o pH e sólidos possuem variações em relação a idade de postura, armazenamento e estes dois indicadores possuem padrões estabelecidos pela legislação.
Tão importante quanto a idade e qualidade físico-química da matéria-prima é a qualidade microbiológica do ovo. Por ser um alimento rico nutricionalmente, é um excelente meio de cultura para bactérias, especialmente salmonelas, principal preocupação em relação a legislação como garantia de segurança alimentar. Os ovos podem ser contaminados já na sua formação dentro da ave, já sendo posto positivo. Assim, recomenda-se que as granjas sempre mantenham atualizados seus programas de controle para este patógeno, sendo recomendada a vacinação como ferramenta mais eficaz na manutenção do status sanitário do plantel.
Ovos que chegarem contaminados até a indústria, podem contaminar todo o lote de ovo líquido cru (normalmente medido em toneladas) e se houver falha posterior na limpeza CIP e/ou pasteurização, pode haver, em toda linha de processamento, formação de biofilme e contaminação cruzada de lotes subsequentes.
Assim, o programa de monitoria que contempla as análises da matéria-prima, microbiológica e físico-química, é fundamental e um importante indicador dos cuidados que deverão ser tomados no processamento.
– Ovoscopia, lavagem e quebra dos ovos
Pela legislação brasileira, a lavagem é a etapa destinada à higienização dos ovos, sendo obrigatória para os ovos sujos não trincados e aos destinados à industrialização. E é vedada aos ovos trincados.
A ovoscopia e classificação são etapas destinadas à avaliação e à separação dos ovos por categoria e por peso, respectivamente. A função da ovoscopia é retirar, antes da quebra, ovos quebrados, rompidos, com manchas internas de sangue e carne e com eventuais problemas internos de qualidade que desqualificam esses ovos para pasteurização. Ou seja, é a etapa que tem por objetivo retirar os ovos impróprios.
A quebra é o processo de separação dos ovos em casca e seu conteúdo interno. Cabe ressaltar que é muito importante a realização de ajustes na velocidade da máquina de quebra quando se quer separar a clara da gema.
Tão importante quanto a manutenção das máquinas é a limpeza CIP (do inglês “Cleaning in Place” – em português – limpeza no local) que é o processo de higienização dos equipamentos industriais, utilizando a passagem ou a circulação dos produtos de limpeza sem a desmontagem prévia deles. É um procedimento que deve ser bem-feito para atingir um alto padrão de higienização uma vez que todas as superfícies que entram em contato com os produtos devem ser limpas. A limpeza CIP deve sempre ser realizada ao final da quebra ou em momentos estratégicos durante o processo (com o procedimento descrito no PSO – Procedimento Sanitário Operacional) para que todo o maquinário se mantenha com um grau satisfatório de limpeza e evite formação de biofilme, que é um grande causador de contaminação cruzada.
Seguindo a linha de processamento, após a quebra é importante que o ovo líquido cru passe pelo filtro. De acordo com a legislação, deverá ser utilizado um filtro em linha, sob pressão. O objetivo dessa etapa é a retirada de chalazas e também eventuais resíduos de casca que possam ter caído no tanque.
Logo após a filtragem o passo seguinte é o resfriamento dos ovos. E a Portaria 612/22 regulamenta: “O produto líquido resultante da quebra deve ser imediatamente resfriado devendo atingir 5°C (cinco graus Celsius), em até 2 (duas) horas, viabilizando a industrialização em até 72 (setenta e duas) horas”.
O processo de resfriamento tem como objetivo evitar a proliferação de microrganismos, principalmente no que se refere às bactérias, que deixam de se multiplicar em condições desfavoráveis.
O armazenamento do ovo cru resfriado deve preferencialmente não ultrapassar 72 horas pois pode haver prejuízos na qualidade microbiológica destes ovos.
– Pasteurização
A pasteurização é considerada o coração da indústria de ovos. É neste processo que se garante a qualidade microbiológica do ovo pasteurizado, e mais importante, garantindo a segurança do alimento em relação a salmonelas de interesse em saúde pública.
A pasteurização é o processo em que há uma combinação de tempo e temperatura de exposição dos ovos. As salmonelas estão entre os agentes patogênicos mais exigentes em relação a temperatura. A legislação pede que se use 60ºC por 2,5 min. Esta combinação de tempo e temperatura também deve estar em equilíbrio com o tipo de produto a ser pasteurizado.
Os diferentes produtos de ovos possuem diferentes graus de sensibilidade ao calor. Sabe-se por exemplo que a clara é rica em proteínas, e assim deve-se tomar um cuidado especial pois a quebra da sua estrutura física, altera suas propriedades funcionais de forma irreversível. Se a temperatura de pasteurização exceder 66°C, pode ocorrer a precipitação das proteínas e acima de 73°C pode haver uma coagulação quase instantânea (Oliveira e Oliveira, 2013). Assim há o risco de desnaturação das proteínas e consequentemente a clara perde toda sua característica reológica, ou seja, sua característica funcional de formação de espuma. Quando estas características são perdidas, perde-se o sentido da pasteurização. Assim também acontece com a gema, que necessita de muito mais cuidados visto que suas propriedades funcionais favorecem ainda mais o crescimento de microorganismos. Porém quando submetida a temperaturas muito altas, a gema tende a coagular e perde sua característica funcional. Estas características são importantes pois são elas que dão, por exemplo, textura aos preparados, aeração nos bolos, liga e gelatinização na produção de maioneses, entre outros.
Após a pasteurização é importante que se façam análises microbiológica e físico-química do ovo líquido pasteurizado para garantir requisitos mínimos pedidos não só pela legislação quanto especificações específicas e até mais exigentes dos clientes. As análises refletem a acurácia dos processos, uma vez que demonstram a qualidade dos produtos processados e garantem que somente produtos inócuos sejam vendidos às outras indústrias e aos consumidores.
É imprescindível atentar para o fato que de nada adianta cuidar de todo o processo até a pasteurização se não há cuidado na temperatura de armazenamento. O ovo líquido pasteurizado deve ser armazenado (envasado ou a granel) em temperatura de no máximo 5ºC. Como dito anteriormente, esta temperatura impede que os principais grupos de bactérias entrem na fase de replicação. Esta temperatura deve ser garantida até o momento de uso do ovo. Oscilações na temperatura durante o armazenamento podem ser prejudiciais e permitir que bactérias, por exemplo mesófilas, comecem a multiplicar e aumentem a contagem total de microrganismos, interferindo também no tempo de prateleira do ovo.
Um estudo com várias repetições e análises do tempo de prateleira ou validade dos ovos é importante e deve ser feita e repetida num espaço de tempo não muito longo. Este período de validade do ovo pasteurizado vai ser definido pela eficiência do processo de pasteurização e armazenamento (ToC).
A legislação anterior (Portaria 01/1990) exigia que cada indústria tivesse um laboratório de análises nas suas dependências. Por solicitação do setor de ovos, a nova portaria (612/2022) permite que as indústrias terceirizem as análises, mas, claro, que sigam garantindo a qualidade do produto expedido, rastreabilidade e validade. Importante lembrar que apesar de ovo integral, clara e gema possuírem as suas características, possuem padrões microbiológicos semelhantes de acordo com a legislação.
Padrões microbiológicos previstos na Resolução 005/1991:
- ovo integral líquido
- Contagem padrão: máx. 5 x10 4
- Coliformes fecais: ausência em 1g
- Salmonela: ausência em 25g
- S. aureus: ausência em 1g
- ovo desidratado
- Contagem padrão: máx. 5 x 10 4
- Coliformes fecais: ausência em 1g
- S. aureus: ausência em 0,1g
- Salmonela: ausência em 25g
Características físico-químicas vigentes – Resolução 005/1991
Ovo Integral Líquido | Ovo Integral Desidratado | |
Sólidos totais, mínimo (%) | 23,0 | 96,0 |
pH | 7,0 – 7,8 | 7,0 – 9,0 |
Cinzas, máxima (%) | 1,1 | 4,0 |
O Decreto 9.013/2017 (e suas alterações) traz o rol de infrações aplicáveis ao descumprimento de qualquer item referente à inspeção sanitária dos produtos de origem animal.
E possuir programas de autocontrole é exigência sanitária para o funcionamento da empresa. Então, não somente pela fiscalização oficial, mas também pelas auditorias de empresas e clientes, estes programas visam assegurar não só a rastreabilidade do produto, mas também assegurar que todo o processo de produção está sendo realizado de acordo com boas práticas de produção e higiene, por estar produzindo alimento. Estes processos devem estar registrados em planilhas auditáveis e quando ocorre algum desvio nos parâmetros padrões, a tomada de ação deve ser realizada o mais rápido possível para a retomada da normalidade.
Os programas de Boas Práticas de Fabricação, Higiene Operacional (PPHO) e Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC) são os primeiros passos para um programa de qualidade. Porém, atualmente, os clientes das indústrias de ovos (indústrias de panificação, produção de massas, maionese, e clientes importadores de ovos) estão exigindo certificação de qualidade um pouco além dos programas básicos citados acima. Hoje temos algumas importantes certificações, como a certificação privada – a BRCGS – que é um protocolo projetado para harmonizar os padrões de segurança dos alimentos em toda a cadeia de fornecimento (considerando então a segurança dos alimentos, das embalagens e materiais que entram em contato direto com os produtos, e o armazenamento e distribuição). Também existem os padrões determinados pela ISO (em inglês “International Organization for Standardization” – em português significa Organização Internacional de Padronização) que buscam garantir qualidade, segurança e eficiências nos processos a serem auditados, assim como outras questões como certificação para origem das matérias-primas, bem-estar animal, sistemas de produção diferenciados, entre outros temas que são alguns exemplos de programas complementares que possuem um detalhamento maior dos processos e controles da indústria e que são mundialmente aceitos.
Programas e processos nas indústrias de ovos são importantes pois, assim como a qualidade da matéria-prima, ajudam a garantir a produção de um alimento microbiologicamente seguro, com qualidade nutricional e garantia da manutenção das suas características funcionais, tão desejadas pelo consumidor e indústrias de alimentos.
Referências
ABPA. Relatório Anual 2021. Associação Brasileira de Proteína Animal, São Paulo, 2022. Acessado em 20 out. 2022. Online. Disponível em: https://https://abpa-br.org/mercados/#relatorios
BRASIL. Decreto nº 9.013, de 29 de março de 2017. Dispõe sobre o regulamento da inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Portaria nº 612, de 6 de julho de 2022. Aprova os requisitos de instalações, equipamentos e os procedimentos para o funcionamento de granjas avícolas e de unidades de beneficiamento de ovos e derivados a registradas no Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Resolução nº 005, de 05 de julho de 1991. Dispõe sobre o Padrão de Identidade e Qualidade para o Ovo Integral
OLIVEIRA, B.L; OLIVEIRA, D. D. Qualidade e tecnologia de ovos. Lavras: Editora UFLA, 2013
Autoras:
Daniela Duarte de Oliveira é médica-veterinária, PhD, Diretora Técnica Instituto Ovos Brasil e Consultora Técnica Elanco
Tabatha Silvia Rosini Lacerda é zootecnista, Coordenadora Técnica da ABPA e Diretora administrativa do Instituto Ovos Brasil
O artigo “Processamento de ovos: uma garantia de segurança alimentar” é destaque na edição 68 da Revista do OvoSite, e está disponível para leitura e download a partir da página 42.