O uso de antibióticos e quimioterápicos em dosagens subterapêuticas na nutrição animal, com finalidade profilática e como melhorador de desempenho, tem sido reduzido, assim como as opções de produtos permitidos e disponíveis no mercado, apesar de ter sido uma prática muito comum durante décadas.
A necessidade de produção de alimentos seguros, com a minimização de riscos à saúde humana, tem resultado no banimento gradual do uso de antibióticos como melhoradores de desempenho no Brasil, uma vez que essa prática pode levar a problemas residuais e favorecer o surgimento de bactérias resistentes (Lesson, 2007).
Desde 2006, a Europa proibiu a prática e essa tendência se tornou mundial (Bellaver e Scheuermann, 2004; Grave et al., 2007). Nos Estados Unidos, em torno de 80% da produção avícola já se enquadra no conceito Antibiotic Free, enquanto no Brasil, essa participação ultrapassa os 20%.
Desde então, há um interesse muito grande na busca de possíveis alternativas que contribuam para a inocuidade do produto final e, de preferência, sem que haja prejuízos ao desempenho animal. Dentre as possibilidades de aditivos alternativos aos antibióticos melhoradores de desempenho, destacam-se os:
- prebióticos,
- probióticos,
- simbióticos,
- ácidos orgânicos e
- compostos fitogênicos, entre outros.
Mas afinal, o que são ácidos orgânicos, quais seus benefícios, como funcionam e quais as particularidades quanto ao seu uso?
O presente artigo tem como objetivo elucidar os mecanismos de ação dos ácidos orgânicos e os fatores que possam interferir em sua eficácia, visando seu uso como um potencial aditivo melhorador de desempenho.
O que são ácidos orgânicos e como são utilizados na avicultura
Os ácidos orgânicos, ou ácidos carboxílicos, contêm um ou mais grupos de carboxilas em sua molécula. O termo ácido orgânico é comumente utilizado para os ácidos fracos de cadeia curta na área da produção animal (Dibner e Buttin, 2002).
Quanto ao modo de uso, eles podem ser (Hajati, 2018):
- Adicionados à ração e/ou matérias primas.
- Suplementados à água de bebida.
- Pulverizados na cama das aves.
São exemplos de ácidos orgânicos utilizados na nutrição animal, de forma isolada ou combinados:
- ácido fórmico,
- acético,
- propiônico,
- butírico,
- fumárico,
- cítrico,
- lático,
- benzoico, entre outros.
Benefícios e Mecanismos de Ação
A seguir, são apresentados os benefícios atingidos com o uso de ácidos orgânicos e seus possíveis mecanismos.
De maneira geral, para frangos de corte (aumento de ganho de peso, melhor conversão alimentar e menor mortalidade), ou galinhas de postura (maior produção de ovos e melhor conversão alimentar), os ganhos zootécnicos podem ser atribuídos à redução do pH ocasionada pelos ácidos na ração e no trato gastrointestinal. Essa ação resulta em melhoria da digestibilidade de nutrientes, além do efeito antimicrobiano para patógenos sensíveis a pH baixo (Wang et al., 2009; Ghazala et al. 2011).
Qualidade de Ovo
Quanto às melhorias na qualidade de ovo (melhor índice de gema, unidade Haugh e espessura de casca, entre outros), a redução do pH pode aumentar a solubilidade dos minerais, resultando numa melhor absorção dos mesmos (Khan e Iqbal, 2016). Sais de ácido orgânico de cálcio podem fornecer uma fonte extra de Ca, ou melhorar a absorção de Ca, resultando em uma melhor formação de casca (Dhawale, 2005).
Além disso, o uso de ácido orgânico também pode melhorar a integridade dos órgãos reprodutivos (Park et al., 2009).
Digestibilidade de nutrientes
Diversos estudos relatam que os ácidos orgânicos podem aumentar a digestibilidade de nutrientes, como da matéria seca, energia, proteína bruta, extrato etéreo, cálcio e fósforo. Quanto aos mecanismos que poderiam explicar a melhoria da digestibilidade de nutrientes, podemos citar (Khan e Iqbal, 2016):
- Energia metabolizável e proteína bruta: explicada pela redução da competição microbiana por nutrientes com o hospedeiro (Omogbenigun et al., 2003);
- Proteína e aminoácidos: devido ao aumento da proteólise gástrica, induzida pela redução do pH (Samanta et al., 2010);
- Melhor absorção dos nutrientes: devido a uma taxa de passagem mais lenta provocada pelos ácidos orgânicos (Han et al. 1998; Van Der Sluis, 2002);
Os ácidos orgânicos também podem melhorar as condições de atuação da fitase, por meio da acidificação da dieta e fluídos digestivos (Han et al. 1998). Além disso, o ânion acidificado pode se complexar com Ca, P, Mg e Zn, podendo melhorar a digestibilidade desses minerais (Edwards e Baker, 1999).
Morfometria intestinal
Os benefícios ligados à morfometria intestinal (aumento das vilosidades e da profundidade de cripta) podem estar ligados aos seguintes mecanismos:
- Ácidos orgânicos utilizados na produção animal (ácido fórmico, butírico, lático, propiônico, cítrico e acético) podem ser utilizados como fonte de energia para as células epiteliais do intestino, estimulando a proliferação das células de criptas, aumentando o turnover e manutenção celular intestinal (Khan e Iqbal, 2016);
Efeito antimicrobiano dos ácidos orgânicos
Quanto maior a quantidade de ácidos não dissociados em presença do patógeno, melhor sua ação antimicrobiana. Isso ocorre pois, em sua forma não dissociada, podem se difundir de forma passiva através da membrana de certos patógenos.
Após sua penetração no meio intracelular da bactéria, uma grande proporção do ácido é dissociada, resultando na liberação de íons H+, exigindo uma alta quantidade de energia para que os mesmos sejam bombeados para o meio extracelular. Com a redução do pH intracelular, ocorre o interrompimento de reações enzimáticas e de transporte, levando à morte celular (Cherrington et al., 1991; Partanen e Mroz, 1999).
Visto que a proporção de ácidos não dissociados e dissociados é determinante na eficácia de um ácido, um parâmetro que pode ajudar a compreender melhor a eficácia e uso dos ácidos é sua constante de dissociação (pKa).
O pKa é definido como o valor do pH em que o ácido estará 50% em sua forma dissociada (há a liberação do íon H+) e 50% em sua forma indissociada. Logo, um ácido com um pKa baixo é considerado forte, assim como um pKa alto é característico de um ácido fraco.
Os ácidos mais fracos (propiônico, pKa = 4.88) podem ser bastante eficazes quando utilizados como conservantes de grãos e/ou ração, e com menor eficácia no desempenho animal. Por sua vez, os ácidos mais fortes (ácido lático, pKa = 3.83) tendem a ser mais impactantes na redução do pH do trato intestinal superior, porém, com baixo efeito antimicrobiano nas porções mais distais do trato digestivo (Hajati, 2018).
Além de sua constante de dissociação (pKa), a eficácia da suplementação dos ácidos orgânicos dependerá de fatores como:
- sua forma química (ácido, sal, protegido ou livre, esterificado, ou não);
- peso molecular;
- concentração mínima inibitória (MIC);
- tipo de microrganismo;
- espécie animal;
- local de ação no trato gastrointestinal;
- capacidade tamponante da dieta;
- heterogeneidade da flora intestinal;
- resistência a ácidos dos patógenos (Ricke, 2003; Hajati, 2018).
Os patógenos de maior enfoque no uso de ácidos orgânicos, visando a redução microbiana são: Salmonella spp., Escherichia coli e Campylobacter jejuni (Khan e Iqbal, 2016).
Particularidades do uso de ácidos orgânicos
A seguir são apresentados algumas particularidades e cuidados que podem afetar a eficácia dos ácidos.
Apresentação
Todos os ácidos, em sua forma líquida, são corrosivos. Por outro lado, sua apresentação como sais de ácidos orgânicos (sais de sódio, de potássio, ou de cálcio) traz as vantagens de serem mais fáceis de manusear, com menor odor e volatilização, menor ação corrosiva, podendo ser bastante solúveis em água (Hyughebaert et al., 2011).
Quantidade
A dosagem adequada dos ácidos é de extrema importância, uma vez que, em quantidades inadequadas, não atingirão os efeitos desejados. Diferentes doses podem ser recomendadas, de acordo com:
- benefício que se busca (melhoria de desempenho x efeito antimicrobiano),
- intensidade do desafio sanitário (visando o efeito antimicrobiano),
- categoria animal (frangos de corte, galinhas de postura, ou matrizes),
- fase de criação das aves, entre outros fatores.
Também vale destacar que uma alta inclusão de ácido pode ocasionar redução sobre o consumo das aves (Metcalf el al. 2001; Adil et al., 2011). É possível que a adição de altas dosagens de ácidos à ração, ou água, possa reduzir a palatabilidade, resultando em uma redução voluntária de consumo (Khan e Iqbal, 2016).
Capacidade tamponante da dieta
Um ponto importante a ser considerado quando o ácido é adicionado à ração, e que pode interferir diretamente sobre sua ação, é quanto à sua capacidade tamponante (acid-binding capacity). Ela se refere à resistência dos alimentos para que ocorra a redução de pH pelo ácido gástrico, e seu valor varia de acordo com a composição da dieta.
Quimicamente, ela é definida como a quantidade necessária (em miliequivalente) de ácido clorídrico para resultar na redução do pH para 3.0, em 1 kg do alimento de interesse (Gilani, et al. 2013).
Na prática, quanto maior a capacidade tamponente da dieta, maior a quantidade necessária de ácido para a redução do pH até o valor de interesse. Os ingredientes proteicos (farelo de soja 48% PB: 1025 a 1035 meq/kg / farinha de peixe: 1480 a 2100 meq/kg) e macrominerais (carbonato de cálcio: 19680 a 20000 meq/kg / fosfato dicálcio: 7860 a 10150 meq/kg) tendem a exercer maior impacto sobre a capacidade tamponente da dieta, comparados aos cereais (milho: 135 a 172 meq/kg / trigo: 180 a 240 meq/kg) (Hajati, 2018).
Local de ação
A ação antimicrobiana dos ácidos livres (não revestidos) tem maior eficácia no trato gastrointestinal superior, principalmente papo e moela (Thompson e Hinton, 1997). Isso ocorre porque os ácidos vão sendo utilizados e absorvidos ao longo do trato digestivo, de modo que, os ácidos não revestidos podem ser completamente absorvidos antes do divertículo de Meckel, a depender do tipo e dosagem (Bolton e Dewar, 1964).
No entanto, considerando que parte dos patógenos (incluindo Salmonella spp. – pH ótimo para crescimento de 6.8 a 7.2) pode se alojar também no trato gastrointestinal inferior (ceco), já que seu crescimento ali é favorecido pelo pH mais alto. Nesse caso, o produto revestido permite uma liberação mais lenta, a partir da digestão do revestimento pelas lipases pancreáticas e sais biliares, resultando em uma ação mais efetiva no intestino (Rubio et al., 2009).
De maneira similar ao revestimento, os ésteres de ácidos (mono, di e triglicerídeos), que são moléculas estáveis, são dissociados apenas por lipases pancreáticas, de modo que o ácido se torna mais efetivo no TGI inferior (Slembarski, 2020).
Associações
Considerando que há variação do pH ao longo dos segmentos intestinais das aves (com uma média de 6.4 no duodeno, 6.6 no jejuno e 7.2 no íleo), a mistura de diferentes tipos de ácidos pode atingir uma maior extensão do trato gastrointestinal, devido aos diferentes pKa’s de cada ácido (Franco et al., 2005; Partanen et al., 2007; Viola, 2007).
Além disso, a associação a diferentes aditivos pode resultar no sinergismo dos componentes. A combinação de ácido benzoico, isolado ou associado a outros ácidos, com aditivos fitogênicos tem demonstrado resultados positivos em desempenho para frangos de corte (Fascina et al., 2012; Weber et al., 2012).
Um outro exemplo de associação, seria blend de ácidos contendo ácido fórmico associado a prebiótico, óleos e extratos vegetais, que pode reduzir a contagem de bactérias gram negativas presentes no intestino (Gunal et al., 2006).
Possíveis associações entre probióticos, prebióticos e ácido (fumárico ou butírico) também podem trazer efeitos benéficos ao desempenho (Jaramillo, 2014) e perfil bioquímico sérico em frangos de corte, comparado a uma ração sem aditivos (Takerpour et al., 2009).
Conclusão
Os ácidos orgânicos podem ser considerados uma alternativa promissora aos antibióticos melhoradores de desempenho, uma vez que são capazes de:
- potencializar os parâmetros produtivos,
- aumentar o aproveitamento dos nutrientes da dieta,
- beneficiar a saúde intestinal,
- auxiliar na redução da carga microbiana presente na ração e/ou nas aves, sem a geração de resíduos na produção de carne e ovos.
Vale ressaltar que, para maior efetividade quanto à sua aplicação, também é necessário que o manejo da granja esteja bem alinhado com a fábrica de ração, possibilitando as boas práticas de produção e garantindo maior biosseguridade.