O caso de Doença de Newcastle em uma granja no Rio Grande do Sul ligou o alerta no mercado. Quedas nas ações dos frigoríficos na B3 são um importante sinal de que os investidores estão preocupados com as possíveis consequências para a avicultura brasileira. Para analistas, a preocupação tem fundamento: há risco de embargo à carne de frango por alguns países importadores e, em consequência, queda nos preços.
Gustavo Troyano e Bruno Tomazetto, da equipe de Alimentos e Bebidas do Itaú BBA, afirmaram em relatório que não houve nenhuma declaração oficial indicando potencial paralisação de vendas externas neste momento, “mas a percepção de risco para os exportadores brasileiros de frango pode ser impactada”.
Os especialistas lembraram que o último surto da doença ocorreu em 2006 e, no período, o Brasil sofreu algumas paralisações de embarques regionalizadas, restritas aos Estados onde a doença estava presente.
“Considerando a elevada patogenicidade da doença, é possível que alguns importadores implementem protocolos semelhantes aos observados nos surtos mais recentes de gripe aviária”, disseram. “Se alguns importadores decidirem restringir as exportações brasileiras de frango como medida preventiva, as operações da BRF e da Seara provavelmente serão afetadas por um cenário de excesso de oferta nos mercados domésticos”, alertaram.
A notícia também é negativa para a Marfrig, disseram os analistas do Itaú, já que a empresa está indiretamente exposta ao mercado avícola por meio de sua participação no capital da BRF.
Queda nos preços
A XP Investimentos ressaltou que nem a BRF nem a Seara (unidade de aves da JBS) têm fábricas no município de Anta Gorda (RS), onde o surto foi relatado. Portanto, nenhuma das empresas listadas na B3 foi diretamente afetada por este foco da doença.
A análise da XP indica que a BRF tem três plantas de aves no Rio Grande do Sul (de 19 no país), enquanto a Seara tem apenas uma (de 23). A unidade da BRF mais próxima está localizada a, aproximadamente, 55 km do local do ocorrido. A da Seara, a cerca de 80 km.
O setor avícola está passando por um ciclo forte, refletindo custos mais baixos e forte demanda nos mercados doméstico e externo. No entanto, para a XP, a principal preocupação dos investidores é o aumento da oferta devido às margens positivas, o que poderia fazer com que os preços da carne de frango caíssem.
“O forte momentum das exportações tem sido crucial para garantir o equilíbrio entre oferta e demanda (O&D). Dada a representatividade do Rio Grande do Sul (10,5% da produção do Brasil em 2023; 14,8% das exportações) e a possível suspensão temporária das exportações, vemos um risco crescente para o cenário equilibrado de O&D mencionado acima, especialmente após as recentes indicações de que os embarques no Brasil em julho poderiam aumentar para 615 milhões de cabeças (+8% A/A)”, disse a XP em relatório assinado por Leonardo Alencar, Pedro Fonseca e Samuel Isaak (*).
Desafio sanitário
Fernando Iglesias, da consultoria Safras & Mercado, destacou que as enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul em maio provocaram brechas sanitárias, produziram vulnerabilidades, que podem ter contribuído para a entrada da doença de Newcastle agora.
“É possível que haja alguma consequência de mercado, o recente comportamento japonês em relação a casos de Influenza Aviária em aves de fundo de quintal gera apreensão”, afirmou Iglesias. “Supondo que o Japão embargue o mercado gaúcho, o Brasil poderia facilmente atender o mercado japonês por outras indústrias no Paraná ou em Santa Catarina”, completou.
O Japão é um dos compradores mais rigorosos do mundo na questão sanitária. Porém, o país asiático importou em torno de 21 mil toneladas de carne de frango do Rio Grande do Sul em 2024 (janeiro a junho). Do Brasil, as compras japonesas atingiram o volume de 214 mil toneladas de carne de frango, lembrou o analista.
Iglesias enfatizou que, apesar do foco registrado em Anta Gorda (RS), o Brasil ainda é referência global em biosseguridade no setor de carnes. Vale lembrar que todos os protocolos de segurança estão sendo tomados pelas autoridades nacionais e locais.
“Qualquer apontamento sobre embargos (ainda) é mera especulação. É improvável que o foco da doença cause problemas na produção de carne de frango, ou mesmo no consumo de milho e de farelo de soja”, pontuou.
(* Nota do AviSite: o pessoal da XP se refere, na verdade, à produção de pintos de corte, não ao embarque de frangos.)