No início de 2021, o analista de mercado Marcos Araújo, da Agrinvest Commodities, já havia sinalizado, em entrevista ao Notícias Agrícolas, que o avanço intenso dos preços deveria provocar um racionamento da demanda, o que vem sendo destaque na mídia especializada internacional nesta sexta.
“Os mercados estão começando a racionar a demanda, o que não acontecia há sete ou oito anos. Ainda estamos no início desse processo. Demora um pouco para começarmos a ver esses sinais e eu diria que estamos apenas no início desse processo, mas vamos precisar racionar”, diz o vice-presidente executivo da cadeia de abastecimento agrícola da Cargill e chefe de comércio corporativo, Joe Stone.
No entanto, analistas internacionais e Stone acreditam que esse movimento intenso das cotações ainda depende da extensão do cenário adverso de clima na Argentina e do quanto isso irá impactar, efetivamente, na safra do país e, consequentemente, na oferta global. Assim, o representante da Cargill acredita que os preços ainda não alcançaram seu pico e que novas e fortes altas poderão continuar a ser registradas.
Assim, o elástico entre a força do consumo e o menor potencial da oferta nesta temporada está cada vez mais esticado e impactando no andamento das cotações. Segundo Anderson Galvão, analista de mercado da Céleres Consultoria, a chamada “tempestade perfeita” vem se formando para as commodities agrícolas desde o início de 2020.
“Entramos em um novo ciclo de altas de commodities, uma combinação de efeitos monetários, pelo lado financeiro, e isso sozinho já era suficiente para motivar cotações em alta, e o segundo elemento é a recomposição do rebanho chinês de suínos e o consumo da China explodiu, a China comprou tudo e de tudo. Além disso, tivemos problemas pontuais, como produtividades menores aqui no Brasil”, explica Galvão. E dessa forma, o analista acredita que para o milho, por exemplo, os preços altos e sustentados deverá durar por pelo menos mais dois anos. “Para o milho, a soja, e outras commodities, incluindo as minerais”.
De olho nessas condições, a Cargill, que já realiza investimentos importantes na China, veio ampliando essas operações na nação asiática ao comprar uma outra planta processadora o que, ainda de acordo com especialistas, é mais um sinal positivo no complexo soja global.
Em 2020, a China importou 100,327 milhões de toneladas de soja, volume recorde e 13,3% maior do que o de 2019. O total foi superior ainda em relação à máxima anterior, de 2017, em 5%. A demanda chinesa tem registrado, nos últimos anos, uma média de crescimento de sua demanda pela oleaginosa de 5 milhões de toneladas.
E além China, o consumo da oleginosa – e de alimentos de uma forma geral – cresce em ritmos semelhantes, enquanto a oferta não cresce com a mesma força e intensidade. Os estoques globais já são apertados e assim deverão continuar, uma vez que a temporada 2020/21 se mostra menor do que o inicialmente estimado “Os estoques mundiais são muito ajustados nos EUA e na Argentina, mas em partes compensador por volumes maiores na China”, dizem os especialistas do USDA em seu boletim mensal de janeiro. Todavia, as reservas chinesas não podem ser consideradas no quadro global por questões óbvias.
O cenário é ajustado e deve se intensificar. Ainda segundo analistas e consultores, pelo menos todo 2021 ainda será de preços firmes no mercado internacional. Dessa forma, monitorar o dólar – quem vem registrando um início de ano extremamente volátil – será tarefa ainda mais necessária no dia-a-dia do produtor brasileiro. É dessa forma que será possível entender como esses valores em dólares serão transferidos para o produtor do Brasil.
“O importante é o produtor entender que as cotações estão postas a mesa. Preços de soja acima de US$ 30,00 a saca, no porto, não é a qualquer momento. Isso aconteceu lá no período de inflação das cotações em 2008, depois 2013, parte de 2014, mas por um curto período de tempo. Agora temos um mercado internacional firme, uma recuperação econômica que também pode dar suporte às commodities agrícolas, mas isso tudo também pode e vai se refletir nos insumos. Então, mesmo em momento de preços altos, é importante que as contas sejam feitas para que as oportunidades sejam aproveitadas e não perdidas”, explica o pesquisador do Cepea, Lucílio Alves.
E complementa lembrando que “a grande questão é se o câmbio continua neste patamar, ou se teremos oscilações e oscilações negativas. Isto está fora de controle e foge desse ambiente do agronegócio, entra o ambiente econômico – Brasil e mundo – e questões políticas também fora do nosso controle”.