Estudo da Roland Berger confirma que os próximos três anos serão ideais para crescer no país.
Embora a China esteja investindo na recuperação de seu rebanho de suínos e fortalecendo a cadeia produtiva de aves, ainda haverá muito espaço para carnes importadas no país nos próximos anos. Essa janela, contudo, tende a se estreitar a partir de meados desta década. Assim, para não perderem o grande mercado que conquistaram, os frigoríficos brasileiros terão que adotar novas estratégias comerciais, de preferência com presença local mais agressiva.
Essa é a principal conclusão de um estudo recém-concluído pela consultoria alemã Roland Berger, que sugere que essas novas estratégias incluam investimentos na qualidade dos produtos, cuidados com a adequação das cadeias de valor às crescentes exigências sanitárias e ambientais e parcerias com players chineses. A corrida já começou, e concorrentes de outros exportadores, como os Estados Unidos, prometem endurecer a disputa.
“A China é um mercado muito grande, com necessidades diferentes a depender da região. Para aproveitá-lo, os frigoríficos brasileiros têm que estar lá. Não necessariamente com abates, mas com operações comerciais mais sólidas e parcerias, por exemplo”, afirma António Bernardo, sócio e presidente da Roland Berger no Brasil e em Portugal. Segundo ele, o trabalho da consultoria comprovou que os chineses consideram as carnes brasileiras competitiva, mas que, em geral, as vendas são dominadas por produtos de baixo valor agregado.
Se já era importante, a China firmou-se como o principal destino para as exportações de carnes do Brasil a partir de 2018, quando a peste suína africana começou a dizimar o plantel chinês de porcos, o maior do mundo. Segundo dados da ABPA, entidade que representa a indústria brasileira de aves e suínos, em 2020, os embarques de carne suína para a China cresceram 106% em relação ao ano anterior e atingiram 513,5 mil toneladas, ou 50,7% do volume total. Para todos os destinos, as vendas renderam divisas de US$ 2,3 bilhões.
No caso da carne de frango, os embarques do Brasil para a China somaram 673,2 mil toneladas em 2020, 15% mais que em 2019 (16% do total) – para todos os destinos, a receita superou US$ 6 bilhões; no da carne bovina, apontou a Abrafrigo, que representa empresas brasileiras do segmento, foram 1,2 milhão de toneladas para China e Hong Kong no ano passado, ou US$ 5,1 bilhões (60,7% da receita total).
A Roland Berger prevê que o consumo chinês de carnes crescerá 2,2% ao ano até 2025, para cerca de 70 milhões de toneladas, e que, apesar do aumento da produção local, será possível, com isso, que o Brasil amplie as vendas ao país. Com a China como âncora, a consultoria projeta que os embarques brasileiros de carnes ainda crescerão 0,7% ao ano na próxima década, ante uma média anual de 1,2% nos últimos dez anos. Porém, como se vê, o ritmo tende a diminuir.
De olho nessa curva, e tendo no retrovisor concorrentes como EUA e mesmo a Rússia, as associações que representam o segmento de carnes no Brasil já começaram elas próprias a montar estruturas mais robustas na China. A ABPA, que conta com um representante no país, está montando, com o apoio da Apex, uma base maior para servir de apoio a suas associadas, entre as quais as gigantes BRF, Seara (JBS) e Aurora, que também já têm escritórios em território chinês.
“As empresas têm que avançar na China com novos produtos e trabalhar suas marcas. Também há muitas oportunidades no e-commerce, que vem crescendo aceleradamente, e para a venda de embutidos e alimentos prontos. Mas estamos começando a caminhar nessa direção”, afirma Ricardo Santin, presidente da ABPA.
A Abiec, que representa exportadores brasileiros de carne bovina como JBS, Marfrig e Minerva, decidiu antes do início da pandemia abrir QGs em Pequim e Xangai, e espera a crise arrefecer para concluir o plano, incrementar seus estudos sobre o varejo chinês e fracionar investimentos na mídia chinesa para promover os produtos brasileiros.
Nesse sentido, diz Antonio Camardelli, presidente da Abiec, há uma série de desafios e peculiaridades que estão no radar. Entre outros, ele lembra que há três “tipos” de carne – gourmet (cortes mais nobres), culinária (cortes menos nobres, usados em molhos, por exemplo) e ingrediente (cortes usados em pratos como lasanha) -, e que concorrentes como a Argentina têm foco maior na carne gourmet quando o consumo que mais aumenta na China é de culinária e ingrediente. “Nós podemos crescer nas três frentes”, afirma ele.
Como no caso dos frigoríficos de frango e suínos, os de carne bovina vêm buscando ampliar o espaço na China para seus produtos finais, mas também têm esbarrado na queda do ritmo de novas habilitações concedidas por Pequim, que nos últimos tempos passou a privilegiar as empresas americanas, em linha com a melhora das relações comerciais entre os dois países.
Nesse cenário, afirma Wilhelm Uffelmann, líder global na área de proteínas da Roland Berger, as empresas brasileiras têm que continuar investindo em ganhos de eficiência. Segundo ele, há espaço para ampliação de ganhos na produção dos animais em si, com melhorias genéticas e nutricionais, nos abatedouros e na agregação de produtos ao portfólio, com a valorização de todas as partes dos animais. “A janela para a internacionalização ficará aberta pelos próximos três anos. Este é o momento de implementar novas estratégias”.