Zé Garrote vendeu casa, farmácia e todo o patrimônio que amealhara para criar frango, em sociedade com o sogro. A aposta quase levou o empresário à bancarrota duas vezes, mas acabou dando certo e colocou sua São Salvador Alimentos na mira de banqueiros de investimento, no que deverá resultar no primeiro IPO da área de frigoríficos desde 2007.
Na pacata Itaberaí, a 90 quilômetros de Goiânia, a família ergueu um dos frigoríficos mais rentáveis do país. É um negócio de quase R$ 2 bilhões de faturamento, com marcas desconhecidas no eixo Rio-São Paulo, mas importantes no Centro-Oeste, e lucratividade de fazer inveja à BRF ou à Seara, controlada pela JBS. Enquanto as gigantes comemoram quando suas margens Ebitda ficam acima de 15%, a São Salvador entregou quase 23%, em média, nos últimos cinco anos.
A companhia deverá registrar seu pedido de oferta pública ainda no primeiro trimestre. A operação será coordenada pelos bancos Itaú BBA, XP Investimentos, BTG Pactual e Bradesco BBI, segundo fontes. Para tentar levantar cerca de R$ 1,5 bilhão e chegar à bolsa valendo mais de R$ 4 bilhões, a São Salvador quer se apoiar nesse comparativo de rentabilidades para buscar um prêmio sobre as concorrentes.
Um valuation semelhante ao da BRF, cujas ações negociam a 6,3 vezes o Ebitda, daria à São Salvador pouco mais de R$ 2,5 bilhões, assumindo um Ebitda da ordem de R$ 470 milhões e uma dívida líquida de R$ 400 milhões. Nos números que circulam na Faria Lima, no entanto, a companhia teria nada menos que um múltiplo de 10 vezes.
Uma das explicações para a rentabilidade elevada é a proximidade da empresa com os grãos, um insumo cada vez mais caro. A estratégia comercial e regional, concentrada no pequeno varejo do Centro-Oeste – o market share é da ordem de 30% em Goiás e no Distrito Federal -, também ajuda na conta. Atualmente, as grandes redes varejistas representam menos de 10% das vendas totais da São Salvador.
O primeiro aperitivo no mercado de capitais ocorreu no fim do ano passado, com a emissão de R$ 200 milhões em Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), mas a São Salvador vem tentando fazer a lição de casa desde 2007, quando contratou a BDO para auditar seu balanço. Era o ano de maior euforia de ofertas no país, com a estreia de JBS, Marfrig e Minerva na bolsa – a São Salvador ainda era frango de granja, mas Zé Garrote já traçou sua meta. “Só abatia 40 mil frangos por dia. Não tinha musculatura para entrar na bolsa, mas entendi que precisava organizar a governança”, diz.
O escritório Pinheiro Neto Advogados assessorou a constituição de uma holding e a preparação do negócio familiar para a realidade de uma companhia listada. Aos 63 anos, Zé Garrote passou o bastão ao filho Hugo, de 36, que assumiu o posto de CEO em meados de 2020. Assim, o empresário não acumulará a gestão executiva e a presidência do conselho de administração.
O management foi reforçado com pesos-pesados. Leopoldo Saboya, que fez carreira na Perdigão e foi CFO da BRF entre 2008 e 2013, comanda desde agosto a diretoria financeira. Guto de Toni, colega de Leopoldo na BRF, como vice-presidente internacional, e executivo da Seara de 2017 a março de 2020, assumiu a diretoria de exportações da São Salvador. “Se é para brincar, vamos brincar direito”, afirma Hugo.
O DNA da Perdigão também está presente no conselho de administração da São Salvador: José Antônio Fay, CEO da Perdigão e depois da BRF, até 2013, é um dos membros independentes, assim como Nelson Vas Hacklauer, outro ex-Perdigão. Completam o board Carlos Watanabe, CFO da Minerva de 2006 a 2009, e Rimarck Vieira de Carvalho, próximo da família fundadora.
No discurso aos investidores, a São Salvador também pretende apontar suas oportunidades de crescimento. Depois de investir R$ 200 milhões, o grupo colocou em operação seu segundo abatedouro de aves, em Nova Veneza (GO). Com capacidade para abater 160 mil aves por dia, a unidade vai levar três anos para atingir a plena capacidade – é também o prazo para que os granjeiros integrados se estruturem. O frigorífico de Itaberaí, que já opera a plena capacidade, pode abater 360 mil frangos diariamente.
O negócio de alimentos processados – linguiça, salsicha e empanados, entre outros – também pode acelerar a expansão da empresa, que criou a marca Boua na década passada para complementar um portfólio ainda um tanto restrito tendo a SuperFrango como principal marca.
No mercado brasileiro, que responde por 70% da receita da São Salvador, os alimentos processados representam 25% das vendas. A companhia pretende investir R$ 100 milhões na unidade de Itaberaí para expandir o negócio.
Como é pouco endividada, a companhia ficaria com o caixa da oferta inicial de ações para executar seu plano de crescimento. A relação entre dívida líquida e Ebitda é de 0,8 vez, ante 2 vezes ou mais dos concorrentes. Na política da empresa, o limite interno da São Salvador para alavancagem é de 2,5 vezes, bem abaixo dos covenants de 3,5 vezes previstos no CRA recém-emitido.
O empresário e os executivos da empresa evitam cravar que o IPO será mesmo em 2021. “A gente quer estar pronto, mas abertura de capital depende de momento e valor”, resume Saboya.