– À medida que o vírus da gripe aviária H5N1 se espalha implacavelmente em animais ao redor do mundo, pesquisadores que buscam entender como uma pandemia humana de H5N1 pode se desenrolar se voltaram para uma rica fonte de pistas: dados sobre a resposta do sistema imunológico à gripe.
Essas informações fornecem pistas sobre quem poderia estar mais vulnerável em uma pandemia de H5N1. Pesquisas anteriores também sugerem que, em um confronto com o vírus, nosso sistema imunológico não estaria começando do zero – graças a infecções anteriores e vacinas contra outras formas de gripe. Mas é improvável que essa imunidade impeça o H5N1 de infligir sérios danos à saúde global, se uma pandemia começar.
De penas a peles
A cepa H5N1 que agora corre solta começou como um patógeno de aves antes de se ramificar para mamíferos. Classificado como um vírus “altamente patogênico” por sua letalidade em aves, ele matou milhões de aves domésticas e selvagens em todo o mundo desde que surgiu pela primeira vez em 1996.Também se espalhou para uma lista crescente de espécies de mamíferos, incluindo focas e raposas, e causou mais de 460 mortes humanas desde 2003.
Até agora, o vírus não ganhou a capacidade de se espalhar efetivamente entre as pessoas, o que manteve o potencial de uma pandemia sob controle. Mas seus repetidos saltos de aves para mamíferos e evidências de transmissão entre mamíferos, como elefantes-marinhos (Mirounga leonina), alarmaram pesquisadores, que alertam que o vírus está ganhando características que o tornam apto a uma fácil propagação entre pessoas.
Essas preocupações aumentaram quando, em março, pela primeira vez, o H5N1 foi detectado em bovinos dos EUA – animais que interagem frequentemente com humanos. Até 8 de julho, as autoridades de saúde dos EUA confirmaram infecções por gripe aviária em quase 140 rebanhos leiteiros em 12 estados e em 4 trabalhadores de fazendas leiteiras.
Todos os trabalhadores tiveram sintomas leves, mas os cientistas alertam que o vírus ainda é uma ameaça. É possível que os trabalhadores tenham escapado de doenças graves porque podem ter pego H5N1 por meio da exposição ao leite de vacas infectadas, em vez das partículas usualmente transportadas pelo ar, diz Seema Lakdawala, virologista de influenza da Escola de Medicina da Universidade Emory, em Atlanta, Geórgia. Ou talvez seja porque os trabalhadores podem ter sido infectados através do olho, em vez das vias típicas – boca ou nariz.
Malik Peiris, virologista da Universidade de Hong Kong, diz não estar surpreendido com estas infeções, “nem tranquilizado de que a suavidade destes casos significa que este vírus é inerentemente ligeiro”.
Preparação imunológica
A virulência inerente ao vírus não é o único fator que moldaria uma pandemia, diz Peiris. Outro é o estado de prontidão do sistema imunológico.
Através da combinação de infecções passadas e imunização, quando as pessoas chegam à idade adulta geralmente passaram por uma exposição considerável ao vírus da gripe. Algumas estimativas sugerem que até metade das populações mais jovens são infectadas anualmente com vírus “sazonais” da gripe, causadores de ondas regulares de infecções.
Mas a exposição à gripe sazonal oferece proteção limitada contra novas cepas virais aptas a causar pandemias. Essas cepas são geneticamente distintas das cepas sazonais circulantes, o que significa que enfrentam menos imunidade adquirida em humanos e, portanto, podem ser mais perigosas.
Por enquanto, o H5N1 não se dissemina facilmente entre as pessoas. Mas os cientistas temem que, se ganhar essa capacidade, possa desencadear uma pandemia, já que é geneticamente diferente dos vírus da gripe sazonal atualmente em circulação.
Testes com pessoas nos Estados Unidos descobriram que poucos têm anticorpos contra a cepa atual do H5N1. Isso implica que “a maioria da população seria suscetível à infecção por este vírus se ele começasse a infectar as pessoas facilmente”, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, que realizaram os testes.
Boas notícias, más notícias
Isso não deixa as pessoas completamente desprotegidas, porque a exposição a uma cepa de gripe pandêmica mais antiga pode se defender de uma mais nova, diz Michael Worobey, biólogo evolucionista da Universidade do Arizona em Tucson. Por exemplo, na pandemia de 2009 causada pelo vírus da gripe suína H1N1, 80% das mortes foram em pessoas com menos de 65 anos. As gerações mais velhas foram poupadas devido à imunidade decorrente da exposição a diferentes cepas de H1N1 quando eram mais jovens.
A exposição ao H1N1 durante a pandemia de 2009 e em outros momentos pode, por sua vez, fornecer alguma proteção contra a cepa H5N1 hoje em ascensão. Tanto o vírus H5N1 quanto o H1N1 têm uma proteína de superfície designada N1, e um sistema imunológico que responde ao H1N1 também pode responder ao H5N1. Peiris e seus colegas descobriram que a exposição quase universal ao H1N1 em 2009 e anos subsequentes produziram anticorpos que responderam ao H5N1 em quase 97% das amostras por eles coletadas. Ele agora está realizando experimentos em animais para determinar se essa resposta de anticorpos confere proteção contra infecções mais graves.