Impasse afeta rota até Oriente Médio e reduz capacidade de importação da Ásia.
O bloqueio do Canal de Suez deverá impactar o Brasil, mas a dimensão dos efeitos vai depender de quanto tempo as autoridades levarão para solucionar o problema. Até o início da noite de ontem, ainda não havia uma previsão concreta de quando o navio “Ever Given”, que está encalhado desde a última terça-feira, seria removido.
Os prejuízos diretos deverão ser bem menores do que na Europa, mas ainda relevantes. Ao menos 9% de toda a carga brasileira de contêineres passa pelo canal, segundo levantamento da consultoria Datamar. Isso representa, por dia, um volume médio de mais de 1.400 TEUs (medida usada para contêineres, equivalente a 20 pés). O dado considerou todas as importações e exportações em 12 meses, entre março de 2020 e fevereiro de 2021.
O impacto se mostra mais preocupante no segmento de contêineres refrigerados – que transportam carnes, frutas, produtos farmacêuticos, entre outros. Nessa categoria, 21% da carga brasileira passa por Suez, com foco grande na exportação.
Para o Brasil, a principal rota afetada são as viagens até o Oriente Médio e Extremo Oriente (Mid and Far East), explica Andrew Lorimer, presidente da Datamar. Um segmento bastante prejudicado, portanto, serão as exportações de carnes para os países do Oriente Médio.
O trajeto Xangai-Santos, principal rota do comércio brasileiro, que movimenta quatro navios de contêineres por semana, não sofrerá diretamente com o bloqueio. No entanto, isso não quer dizer que as importações vindas da Ásia não serão afetadas, explica Leandro Barreto, sócio da consultoria Solve Shipping.
Como a demanda por importações no Brasil está muito alta, e os navios vindos da China estão cheios, muitas empresas vinham utilizando também a rota europeia para trazer insumos. Nesse trajeto, as embarcações vindas da Ásia fazem o transbordo nos portos da Europa e do Mediterrâneo, e então seguem para o Brasil. Caso essa alternativa continue bloqueada, a capacidade de importação voltará a diminuir, o que deverá novamente pressionar os fretes e criar dificuldades para a reposição dos estoques no país.
Além disso, há uma série de possíveis impactos indiretos, que podem afetar não só o Brasil como todo o mundo. Hoje, a principal preocupação no setor é que o bloqueio se prolongue e provoque uma escassez generalizada de navios e equipamentos no mercado global, além de uma disparada nos fretes marítimos.
“O problema é quanto tempo vai durar isso, porque pode haver um ‘efeito cascata’ de falta de navios e de contêineres a nível mundial”, afirma Luigi Ferrini, que comanda a Hapag Lloyd no Brasil. Para o executivo, caso o imbróglio complete duas semanas, o comércio global já pode chegar a uma situação crítica.
“Esse bloqueio ocorre em um momento no qual os fretes já estão astronômicos e que a falta de contêineres já vinha sendo um problema no mercado global, devido à pandemia. Antes disso, já não havia previsão de quando a situação iria se normalizar. Agora, mesmo que o navio seja removido, a expectativa é de uma nova onda de caos”, diz Lorimer.
Ele prevê que, mesmo que a situação se resolva nos próximos dias, vai demorar ao menos um mês para que os impactos sejam absorvidos pelo mercado. Até ontem, havia 453 embarcações em fila, à espera da liberação para atravessar o canal, segundo levantamento da Bloomberg.
Outra preocupação é com os preços do combustível, já que grande parte dos navios que passa pelo Canal de Suez transportam cargas de petróleo. Com o bloqueio, portanto, os fretes podem ser duplamente pressionados: além da redução de capacidade, o custo do combustível deverá aumentar.
O Centronave, associação brasileira que reúne as companhias de navegação, afirmou, em nota, que ainda é muito cedo para dimensionar os efeitos na cadeia global de suprimento e do comércio exterior brasileiro. “Trata-se ainda de uma conjectura, sem motivos para alarmismo, uma vez que [o impacto] dependerá principal, mas não unicamente, de quanto tempo a rota pelo Canal permanecerá interrompida, o que hoje não é conhecido”.
A logística global de contêineres vem sofrendo muito desde o início da pandemia – um cenário que as empresas classificam como uma “tempestade perfeita”. As rupturas de oferta e demanda nos países, o fechamento de alguns portos, os atrasos na liberação das cargas, entre outros fatores, levaram à atual situação de falta de navios e equipamentos na cadeia logística global.
O resultado foi a disparada dos fretes em todo o mundo, principalmente das rotas que partem da Ásia. No Brasil, os valores no trajeto Xangai-Santos passaram a subir a partir de outubro de 2020 e, em janeiro, chegaram a um recorde de US$ 10.000 por TEU.
No último mês, a situação vinha melhorando. Na primeira semana de março, os valores caíram pela primeira vez desde o fim do ano passado e, hoje, estão em um patamar ainda alto, mas mais plausível de aproximadamente US$ 6.000 por TEU, segundo Barreto. Diante do novo imbróglio, porém, a tendência é que os preços, que vinham em queda em todo o mundo, voltem a subir.