Por Décio Luiz Gazzoni, engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja e membro do Conselho Científico Agro Sustentável.
O Programa Nacional de Bioinsumos (PNB) já existe há dois anos como política pública, com o objetivo de busca permanente de sistemas de produção agrícola sustentáveis. Auxilia a colocar o Brasil na corrente de uma tendência clara de uso cada vez maior de uso agrícola de insumos de base biológica. Em nosso entender, a larga predominância de insumos químicos atingiu um ápice, e serão gradualmente substituídos por outras alternativas.
Na esteira do crescimento global, na safra 2021-22 os bioinsumos chegaram a 28% da área plantada de soja no Brasil, ou 10,5 Mha, 52% da cana-de-açúcar (4,74 Mha) e 26% do milho safrinha, com área de 3,8 Mha. Analistas projetam que o mercado brasileiro de bioinsumo deverá ocupar 10% do mercado, até 2027, no rastro de um crescimento de 67% na safra 2021/22, com valor estimado de R$2,9 bilhões. O mercado mundial é estimado em US$12,9 bilhões, devendo crescer para US$24,6 até 2027 e US$29,1 bilhões em 2029.
Intenção de uso
Uma enquete global retratou a importância crescente que os bioinsumos assumem na agropecuária. Entre os respondentes, 58% afirmaram haver incorporado produtos biológicos em seus portfólios e 21% pretendem fazê-lo no futuro próximo.
O levantamento também averiguou quais as forças preponderantes que impulsionavam o mercado de biológicos em escala global: 72% dos entrevistados responderam que o consumidor teme a presença de resíduos de pesticidas químicos nos alimentos; 48% apontaram a importância do cumprimento da legislação ambiental; 37% atribuíram a políticas públicas que favorecem o seu registro e adoção; e diversas respostas reforçavam a necessidade de atender demandas das cadeias produtivas, impulsionadas pelos consumidores e movimentos da sociedade civil.
Bioinsumos no Brasil
De acordo com o PNB, os bioinsumos – ou insumos agrícolas de base biológica – são conceituados como produto, processo ou tecnologia de origem vegetal, animal ou microbiana destinado ao uso na produção, armazenamento e processamento de produtos agrícolas. Destinam-se ao uso nas lavouras, pecuária, aquicultura e florestas cultivadas, interferindo positivamente no crescimento ou desenvolvimento de plantas e animais. Também modulam os mecanismos de resposta de animais, plantas, microrganismos e substâncias derivadas, resultando em benefícios ao produtor rural.
O PNB contempla uma plêiade de insumos biológicos, com destaque para biopesticidas, bioestimulantes, biofertilizantes, inoculantes e probióticos. Os biopesticidas são sucedâneos de pesticidas químicos, utilizados no controle de pragas. Os bioestimulantes são utilizados com o objetivo de incrementar a produção, melhorar a qualidade de sementes ou estimular o desenvolvimento radicular, entre outras finalidades. Os biofertilizantes são produtos destinados à nutrição vegetal, substituindo fertilizantes químicos, normalmente derivados de processos que envolvem um substrato orgânico sobre o qual atuam microrganismos que o transformam em substâncias que são absorvidas e aproveitadas pelas plantas. Inoculantes são velhos conhecidos dos nossos agricultores, em especial os microrganismos utilizados para fixação biológica de nitrogênio em soja ou feijão. Os probióticos constituem-se de microrganismos vivos que, quando administrados em quantidade adequada, conferem benefícios para a saúde humana e animal, podendo ser bactérias ou leveduras.
Regulamentos
Ações governamentais anteriores já apontavam para um programa mais amplo, cabendo destacar a legislação pioneira sobre semioquímicos (Portaria 121/97 – MAPA) e sobre avaliação de produtos microbiológicos para uso fitossanitário (RDCs 194 e 195/2002 da ANVISA). A legislação sobre o tema foi sendo aprimorado ao longo do tempo, desaguando na IN 95/2020 do MAPA, que alinhava 47 especificações de referência para o registro de bioinsumos. A atual legislação prioriza a análise de bioinsumos frente a similares não biológicos. Assim sendo, o Brasil dispõe de um aparato regulatório moderno e em harmonia com as diretivas internacionais e normativas de países e blocos como os pertencentes à OCDE.
Entrementes, o suporte regulatório não é a única pilastra do PNB, que também incentiva e fortalece a Pesquisa, o Desenvolvimento e a Inovação de produtos de base biológica. Em consonância, contempla uma política pública clara de financiamento à produção e ao uso de bioinsumos, com a disponibilidade de linhas de crédito e financiamento de até 30% dos custos de capital investidos na construção de biofábricas. Para facilitar o conhecimento e incentivar o uso de bioinsumos, está disponível um aplicativo denominado “Bioinsumos”, produzido pela Embrapa, que pode ser baixado para celulares de qualquer plataforma, nas respectivas lojas, de forma gratuita.
Como resultado dessas ações integradas, o Brasil procura posicionar-se de forma protagônica nessa megatendência dos sistemas de produção agropecuários, demonstrando uma vez mais sua capacidade inovativa e percepção estratégica de valorizar as demandas dos consumidores como forma de abrir novos mercados e consolidar os que já dispõe.