Ciente do desafio, evidenciado pelo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC), o setor produtivo defende investimentos em pesquisa, tecnologia e assistência técnica para fazer a adaptação dos sistemas produtivos e dar escala a modelos mais sustentáveis de produção, como os do Programa ABC.
Os dados compilados pelos cientistas na ONU reforçam a urgência do fim do desmatamento ilegal no país, que suja a imagem do agronegócio, afeta oferta de chuvas no Centro-Oeste (principal região produtora de grãos) e eleva as emissões de gases de efeito estufa (GEE), creditadas na conta dos agropecuaristas.
“Não adianta qualquer esforço do agronegócio para reduzir emissões se o desmatamento continuar. Ele neutraliza e deixa negativas as emissões do país”, disse ao Valor Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária. “Ou o agro se posiciona claramente contra o desmatamento ou perderá mercado”. Segundo ele, de 2010 a 2016, as emissões de GEE da pecuária subiram 6%, e as provenientes da derrubada de árvores e mudanças no solo, 54%.
Soja, milho, café e as pastagens da pecuária são as culturas mais vulneráveis e fragilizadas com as mudanças climáticas, afirmou Assad. A saída, para ele, é parar o desmatamento e recuperar áreas de preservação permanente, como matas ciliares, para garantir a oferta de água para irrigação, primordial para suportar longos períodos de seca e chuvas irregulares. São 12 milhões de hectares de APPs na Amazônia e no Cerrado que precisam ser replantados.
Um estudo do pesquisador Evandro Silva, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), publicado no “European Journal of Agronomy”, ressalta que as mudanças climáticas vão aumentar os riscos de quebras nas safras de soja no Brasil nos próximos anos. A oleaginosa é um dos grãos mais resilientes ao clima, o que reforça a preocupação com outras culturas importantes – como o milho, mais sensível.
Com menos chuva e temperaturas mais elevadas, o ciclo da soja também deve ficar mais curto, mas o aproveitamento da água pelas plantas pode ser melhor e mais “econômico”. Segundo o estudo, a tendência é de aumento entre 1,5ºC e 3ºC de 2049 a 2060, com alta média de 2,2ºC. Já o volume de chuvas deve ser entre 4,5% e 7,9% menor no período.
Para o presidente do conselho diretor da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Marcello Brito, ainda faltam um movimento setorial e uma política de governo contra as ilegalidades que golpeiam o ambiente. “Temos que ser frontalmente contrários a qualquer processo de desmatamento e dar escala nacional a técnicas sustentáveis. Com a representatividade que tem, o Brasil colocaria sobre outros países a pressão que sofre”, observou o dirigente.
“Estamos chegando fragilizados aos fóruns internacionais. Perder essa condição de liderança mundial por não pressionar criminosos, extração madeireira, garimpo, grilagem e o consequente desmatamento, é um gravíssimo erro de elevado custo”, avaliou o agropecuarista Pedro de Camargo Neto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB) e ex-secretário de Produção e Comércio do Ministério da Agricultura.
Para reverter a imagem de vilão ambiental, é preciso abandonar as “bravatas” e investir na disseminação das práticas de produção sustentáveis, diz Assad, da Embrapa. Ele elogiou o aumento de 106% no volume de recursos para financiar projeto via programa ABC, que é de R$ 5,05 bilhões na safra 2021/22.
Em nota, o Ministério da Agricultura disse que o relatório sinaliza impactos “alarmantes” para o setor agropecuário e traz “cenários preocupantes de mudanças do clima”, mas argumentou que as técnicas fomentadas pelo governo, como Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, plantio direto e recuperação de pastagens degradadas, ajudam o setor no processo de adaptação e permitem ao Brasil multiplicar a produção sem a abertura de novas áreas.
Para tentar remediar os danos, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) está criando o Sistema de Informação Meteorológica (SIN Inmet) para redefinir modelos de seguro e combate a riscos climáticos, e quer melhorar o monitoramento do impacto do clima no campo. “Estamos ampliando o escopo do instituto para lidar com o aquecimento global, que já está tendo consequências no Brasil, como a crise hídrica”, disse o diretor Miguel Ivan Lacerda.
O coordenador de Sustentabilidade da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Nelson Ananias, lembrou que a atividade agropecuária se mostrou resiliente às mudanças climáticas que ocorreram ao longo dos anos, com aumento de produtividade e cumprimento de metas de redução de emissões. A entidade defende investimentos, inclusive estrangeiros e com acordos internacionais, para fomentar a pesquisa e a orientação técnica a pequenos e médios produtores rurais.
Outra cobrança é pelo aperfeiçoamento dos mecanismos de comprovação, verificação e monitoramento, para desvincular a produção do desmate ilegal. Em meio às discussões, a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) disse, em nota, que “não encontra relação entre o plantio de soja e as mudanças climáticas nem relação entre a produção brasileira e possíveis prejuízos aos sojicultores decorrentes de alterações no clima do planeta”. A entidade realçou resultados de práticas limpas e afirmou que a soja do país é sustentável, por avançar em áreas de pastagens desmatadas.